segunda-feira, maio 19, 2008

OS BENEFÍCIOS DO TABACO

"Eu sei que os cigarros de Sócrates & cia. no voo para a Venezuela violaram uma lei aprovada pelo Governo a que o próprio Sócrates preside. E que foram uma demonstração de ligeira, e recorrente, autocracia. E que as desculpas subsequentes à denúncia pública constituem um exercício patético. E que as peculiares regras da TAP sobre o fumo nos aviões "fretados" não se aplicam aos contribuintes que pagam o frete. E que as explicações da patriótica companhia aérea estão mesmo a pedir que viajemos nas low cost, onde a discriminação da ralé, além do preço, é menor. Sei de tudo isto. Ainda que, à partida, não soubesse, decerto um motorista de táxi ou qualquer "popular" indignado me teriam informado em pormenor.

Bater em Sócrates por ter fumado é, nestes dias, prática corrente. Posso bater-lhe um bocadinho por ter deixado de fumar? Abdicar do tabaco após três cigarros indevidos é tão absurdo quanto parar de conduzir após uma multa de estacionamento ou renunciar ao sexo após cometer adultério. Desde que realizados nos lugares e circunstâncias adequados, guiar ou copular não são jurídica nem socialmente censuráveis. Em teoria, fumar também não. Mas parece. E gestos aparentemente despojados como o do primeiro-ministro só alimentam a sanha.

Ao transformar um microscópico delito na épica expiação de um monstruoso crime, o eng. Sócrates pretendeu esconder a falha e amplificar a virtude. De acordo com a propaganda, ele não procedeu erradamente ao fumar no avião: ele errou ao fumar na vida, pecado que manteve escondido o tempo que pôde e em que, do alto da sua rectidão, não voltará a incorrer.

O raciocínio elucida o egocentrismo que vai naquela cabeça e, por inerência, o desrespeito pelas cabeças dos outros. Falo por mim. Enquanto fumador, a oportuna e demagógica abstinência do eng. Sócrates não contribui para me distinguir de um facínora. Em compensação, contribui para me distinguir do eng. Sócrates, o que já não é mau
. "

Alberto Gonçalves

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