sábado, maio 10, 2008

Ponto final nas metas de inflação

"Os banqueiros centrais são um clube unido. No início da década de 80 sucumbiram ao feitiço do monetarismo, teoria económica simplista patrocinada por Milton Friedman. Quando o monetarismo caiu em descrédito – com elevados custos para os países que por ele se deixaram enfeitiçar –, começou a demanda de um novo mantra.

A resposta chegou sob a forma das “metas de inflação”, corrente que defende que sempre que o preço ultrapassa a meta fixada se devem aumentar as taxas de juro. Esta “corrente”, além de não obedecer a qualquer teoria económica, carece de provas empíricas. Resta-nos esperar que a maioria dos países tenha o bom senso de não implementar as metas de inflação, mas deixo aqui as minhas condolências aos cidadãos dos países que enveredarem por este caminho, como é caso, para citar apenas alguns, da Polónia, Brasil, África do Sul, Canadá, Noruega e Reino Unido.

Hoje em dia, as metas de inflação estão a ser postas à prova – e tudo indica que não irão passar no teste. Os países em desenvolvimento enfrentam actualmente taxas de inflação elevadas devido à escalada dos preços do petróleo e dos bens alimentares, que representam uma fatia média do orçamento familiar muito superior à dos países ricos, e não devido à má gestão macroeconómica. Na China, por exemplo, a inflação ronda os 8%; no Vietname estima-se que atinja os 18,2% ainda este ano; e na Índia, situa-se actualmente nos 5,8%. A inflação dos EUA, pelo contrário, mantém-se nos 3%. Quer isto dizer que os países em desenvolvimento devem aumentar as suas taxas de juro para valores acima da taxa de referência norte-americana?

A inflação nesses países é, em grande parte, importada, pelo que o aumento das taxas de juro não teria grande impacto no preço internacional dos cereais ou do petróleo. Dada a dimensão da economia norte-americana, é mais provável que uma desaceleração nos EUA tenha maior impacto nos preços globais do que uma desaceleração nos países em desenvolvimento. E enquanto estes se mantiverem integrados na economia global – e não tomarem medidas para restringir o impacto dos preços internacionais nos preços nacionais -, os preços nacionais do arroz e de outros cereais estarão sujeitos a fortes aumentos quando os preços dispararem a nível internacional.

Aumentar as taxas de juro pode reduzir a procura agregada e esta pode, por sua vez, desacelerar a economia e atenuar a subida dos preços de alguns bens e serviços, especialmente os não transaccionáveis. Mas não pode, por si só, reduzir os níveis de inflação para as metas fixadas. Acresce que se os preços globais da energia e dos bens alimentares aumentassem de uma forma mais moderada do que na actualidade – 20% ao ano, por exemplo – e se se reflectissem nos preços nacionais colocando a taxa de inflação geral nos 3%, os preços teriam forçosamente de cair. Ora, isto levaria a uma forte desaceleração da economia e à escalada do desemprego. Em suma, seria pior a emenda do que o soneto.

Que deve ser feito? Primeiro, os políticos, ou banqueiros centrais, não devem ser responsabilizados pela inflação importada, tal como não devem ser elogiados pelos baixos níveis de inflação quando o ambiente económico global é benigno. Actualmente, reconhece-se que o ex-presidente da Reserva Federal norte-americana, Alan Greenspan, é um dos principais responsáveis pelo caos económico em que hoje se encontram os EUA. Também é amiúde elogiado por ter mantido a inflação baixa durante o seu “consulado”, mas importa lembrar que os EUA beneficiaram, nesse período, da descida dos preços das matérias-primas e da deflação na China.

Segundo, os defensores da liberalização do comércio sempre elogiaram as suas vantagens, mas omitiram os seus verdadeiros riscos, contra os quais os mercados raramente garantem a protecção necessária. E quando é a agricultura que está em causa, os países desenvolvidos protegem agricultores e consumidores dos riscos inerentes à liberalização. Impõe-se, por isso, rever os subsídios aos biocombustíveis para evitar que mais solos aráveis se transformem em campos de produção energética. Mais: alguns dos milhares de milhões gastos em subsídios aos agricultores ocidentais devem agora ser canalizados para os países em desenvolvimento, para os ajudar a encontrar soluções para as suas necessidades alimentares e energéticas.

Mas não só. Tanto os países em desenvolvimento como os países desenvolvidos devem abandonar as metas de inflação, visto o enfraquecimento da economia e o aumento do desemprego daí resultantes não terem impacto suficiente na inflação. Sobreviver nestas condições será ainda mais difícil.
"

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ler este artigo deu-me muito gozo e vindo de um prémio nóbel ainda mais. A inflação generalizada é importada e resulta em grande medida do aumento do preço do petróleo e dos produtoa alimentares. Combater este aumento da inflação com aumento nas taxas de juro só traz uma muito pequena melhoria na inflação e um empioramento grave do crescimento económico. Mas o autor refere-se sobretudo aos países em vias de desenvolvimento, onde a energia e a alimentação pesam muito no cabaz de compras. Certo! Mas o argumento tambem é válido para o BCE, para o Sr Trichet. É tempo de mudar de mantra!

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Completamente de acordo..... A actual politica do BCE não nos vai levar a lado nenhum

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Liberdade de circulação de Pessoas, Mercadorias e Capitais. Continua a ser o grande objectivo da UE. Em mercadorias foi atingido, o que explica em boa parte o sucesso do euro. Mas a liberdade de Pessoas ainda é uma miragem (qualquer escocês que queira viver e trabalhar em Portugal passa um calvário de burocracia)e a de capitais muito deficiente. Podem-se fazer transferências, como é óbvio, e sem risco cambial, o que é fabuloso. Mas experimente lá uma gestora portuguesa vender por exemplo PPR's fora do território nacional. Experimente lá a República Portuguesa vender OT's ao mesmo preço do Reino dos belgas. A disparidade de políticas fiscais só encontra um paralelo, agora positivo, na linguística. Há portanto muito mais a fazer (2/3) do que já foi feito (1/3). Falta completar a CEE para a UE avançar. Anda a Europa muita distraída com muita papelada (58 mil páginas de Acquis mais uns belos milhares com o tratado de Lisboa e a sua regulamentação subsequente) e pouco sentido prático. De resto recomenda-se.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

É verdade que ninguem no seu perfeito juizo quer voltar ao escudo. O Euro veio para ficar. Mas o facto de o Euro bater o pé ao Dolar a mim (e a muita gente) não me dá gozo nenhum. Preferia uma relação Euro-Dolar mais equilibrada. O obectivo do BCE (seguindo alemães e holandeses)do controle da inflação, sem atender a outros aspectos, tambem não me faz feliz.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Só quem é tolo, pode sonhar em voltar para trás! O mal da economia portuguesa não é o Euro. O Euro foi o melhor que aconteceu a Portugal, desde o 25 de Abril. O problema de Portugal é o Estado que consome todos os recursos da nação (11% + 23% para a Segurança Social? 21% de IVA? 42% de IRS? 32% de IRC? 60% do valor da gasolina para impostos?). Os Deuses estão loucos.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Sr. Jose, quanto ao 25 de Abril, não é bem assim. Se hoje Marcello Caetano estivesse a governar, tenha a certeza de que estariamos mais desenvolvidos do que actualmente (apesar de estarmos no grupo dos países desenvolvidos), teriamos toda a democracia que temos hoje (a censura já tinha sido «adocicada», estava a caminho de ser extinta) e não haveriam guerras cívis nas ex-províncias ultramarinas (pois não seriam independentes, e toda a gente que é gente sabe que as relações entre europeus e os indigenas na África colonizada por nós era bem diferente do que na restant África colonizada). Por isso, acho que está errado; Marcello Caetano foi o melhor que nos aconteceu (e não o pesadelo pseudo-socialista que foi entre 1974-1986).

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Aquilo que falta para que o USD seja ultrapassado pelo €uro enquanto moeda de referência a nivel mundial é desenvolver o 3º Pilar da UE. Para quem não saiba, o 1º pilar é constituido pelo conjunto de Tratados que instituiram e desenvolveram a CEE/UE, e estruturam, principalmente, a sua politica Social e Económica (exs. Tratado de Roma, Tratado CECA, Tratado de Maastricht, Tratado de Lisboa); o 2º pilar é composto pela CJAI - Cooperação Judiciária e Assuntos Internos, sendo que este pilar encontra-se já relativamente bem desenvolvido e estruturado na UE; finalmente, o 3º pilar corresponde à PESC - Politica Externa e de Segurança Comum; deste pilar resulta o famigerado "exército único europeu", o qual se consubstancia na existência de uma politica externa comum na UE, nas vertentes de Negócios Estrangeiros e Politica Militar. No dia em que a UE consiga finalmente colocar em práctica a sua PESC, e os seus 27 Estados-membros (ou mais, no futuro) passarem a falar a uma verdadeira só voz, evitando-se assim embaraços diplomáticos da magnitude do sucedido com a 2ª Guerra do Iraque, então a UE terá todas as condições para finalmente ultrapassar os EUA na hegemonia da cena internacional, e então tentar bater-se de igual para igual com o mais que previsivel novo Império Mundial da 2ª metade do séc. XXI: a China. Vai ser com ela, nessa segunda metade do século, que a UE terá de ombrear, e nessa altura o €uro forte, a par da manutenção, mitigada, do "Wellfare State" Europeu, poderá ser o seu único trunfo nessa luta de Titãs.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Acho graça àqueles que ainda sonham com a África portuguesa. Podem-se se juntar aos que pensam ainda que "os amanhãs cantam". Sempre nos faltou visão e pragmatismo. Os "ventos da história" infelizmente chegam sempre atrasados a Portugal. Daí o seu estado de desenvolvimento deficiente crónico. A CE, o Euro e a democracia foi o que de melhor nos aconteceu. Sem isto a nossa situaçpão seria catastrofica.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

O problema não está no euro mas sim na política monetária. A Europa (euro) é como um velho que anda devagar e demora muito a chegar ao destino. Por sua vez, os EUA (dólar), são como uma criança que corre, cai e esmurra os joelhos mas no entanto levanta-se rapidamente, limpa a areia dos joelhos e continua a correr para o objectivo. Ainda ninguém se apercebeu verdadeiramente o que se passa na economia americana mas no entanto esta está muito mais competitiva e muito mais apetecível para os países do oriente que, neste momento, são aqueles que mais crescem. Como exemplo para explicar melhor o que se está a passar podemos olhar para estas duas empresas, a Boeing e a Airbus. A primeira não para de bater recordes de vendas enquanto a segunda vai-se contentando com algumas vendas, principalmente, a países da Europa. Ainda há bem pouco tempo a Airbus congratulava-se em vender 6 aviões à Tunísia enquanto que a Boeing fechava contrato de 60 aviões com a China. Esta é que é a verdadeira diferença do que se está a passar no mundo. A economia americana está a ajustar-se rapidamente à nova realidade económica mundial. E a Europa, o que faz? Fecha-se nela e tenta combater a inflação. O tempo vai passando mas no entanto as empresas americanas vão conquistando importantes fatias do novo bolo económico mundial. O dólar não está a cair assim tanto. O que está sobrevalorizado é o euro.

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Agradeço a enumeração e a argumentação a Hugo, é sempre gratificante verificar que há quem esteja bem atento. Para complementar e reforçar a sua exposição, até me permito uma afinações: a economia da UE já é maior do que a do EUA, e a da zona-Euro, por si só, também. Não se esqueça do factor demográfico. Agora os pilares. Tanto pilar é precisamente o problema da Europa. É que para estes assentarem, faltam 2/3 dos caboucos. O seu 1º Pilar ainda não tem onde assentar. Logo o 1º. Quanto ao que o euro vale contra o USD, cuidado que o assunto é anti-intuitivo. Se ponderarmos o factor comércio bilateral EUA-EU (trade- weighting) , as moedas estão muito mais equivalentes do que parece. Os fundamentos do Euro estão mais saudáveis do que os do USD, mas este último encerra uma flexibilidade e diversidade maiores. A faceta jurídica do euro é importante, mas não lhe dê tanto peso. Qualquer moeda é sobretudo uma abstracção psicológica colectiva a que chamamos confiança

sábado, maio 10, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelo elogio e troca de opinião, Mr. Penso que a abstracção psicológica colectiva - confiança - é, de facto, o essencial na moeda; concordo plenamente. Penso é que, se a classe politica Europeia ajudar(ajudasse?!), essa confiança poderá(ia) ser bem maior, o que só ajudava mais o €uro e a economia Europeia, não concorda? Até porque são precisamente as implicações politicas (Guerra no Iraque, Afeganistão, tensão com o Irão...) da Administração Norte-Americana, entre outras coisas, que estão a contribuir para a queda do USD. Cumprimentos, e votos de bom fim-de-semana para todos os leitores.

sábado, maio 10, 2008  

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