Portugal e os portugueses
"A Europa deu-nos dinheiro para fazermos auto-estradas e agora vende-nos os seus BMW a crédito.
Portugal é uma armadilha. Sendo um país pequeno, deveria ter a vantagem de permitir um modelo de desenvolvimento relativamente consensual, cuja descrição coubesse numa página A4. Porém, é um dos países europeus de maior complexidade, pois tem duas realidade económicas e sociais bastante distintas e polarizadas. O resultado dessa duplicidade é a aparente contradição entre os recentes indicadores de pobreza e exclusão social, divulgados pelo Eurostat, e o discurso “vanguardista” de José Sócrates.
Hoje, um dos desafios da governação do país é encontrar um modelo de desenvolvimento capaz de lidar com os diversos tipos de assimetrias que coexistem, das quais resultam, simultaneamente, necessidades sociais de “primeira geração”, próprias dos países mais atrasados – e que provocam pobreza e exclusão social –, e necessidades de “segunda geração”, próprias dos países mais desenvolvidos – e que provocam falta de qualidade de vida. Como se chegou a um país tão polarizado? Seria possível sermos mais desenvolvidos e equilibrados?
No virar do século XIX, Portugal era um país atrasado, com uma industrialização incipiente e uma população analfabeta. A Noruega era, então, uma colónia sueca, igualmente atrasada. Hoje, a Noruega é o país mais desenvolvido da Europa e Portugal um dos últimos. Segundo a OCDE, a Noruega é dos países com melhor produtividade e produto per capita, uma distribuição do rendimento mais igualitária e taxas de pobreza e desemprego mais baixas. Segundo o Forum Económico Mundial, é uma das economias mais competitivas do mundo. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, é o melhor país para se viver.
No século XX, o modelo de desenvolvimento da Noruega conseguiu um equilíbrio virtuoso entre social democracia e liberalismo económico, entre o papel do Estado, o das empresas e o dos cidadãos. Já em Portugal, o século XX foi um fracasso: a revolução industrial nunca chegou a acontecer, o potencial de África iludiu-nos e a abertura à Europa é demasiado recente. O resultado é um país a duas velocidades. Embora a adesão à Europa tenha sido positiva, ela “desequilibrou” o país.
Para Portugal, a Europa sempre foi um “negócio” arriscado, que dependia de aplicarmos os fundos recebidos em investimentos reprodutivos e de uma transição directa para uma sociedade do conhecimento. Por isso, à aposta de Cavaco Silva em ‘hardware’ (o “betão”) se seguiu a aposta de Guterres no ‘software’ do desenvolvimento (a educação). Simplesmente, como esta última não foi bem sucedida, o que se temia aconteceu: em resumo, a Europa deu-nos dinheiro para fazermos auto-estradas e agora vende-nos os seus BMW (a crédito).
Que fazer? Vejamos o exemplo do governo britânico, que acaba de anunciar as suas quatro prioridades para o próximo ano: competitividade económica, desenvolvimento das capacidades dos cidadãos, personalização e melhoria dos serviços públicos, e atribuição de mais poder aos cidadãos e comunidades.
Portugal tem um Plano Tecnológico para a competitividade económica, uma Iniciativa Novas Oportunidades para desenvolver as capacidades dos cidadãos e um Simplex para melhorar os serviços do Estado. Falta-lhe um plano de atribuição de mais poder aos cidadãos, ao qual se junta, por atraso histórico, a necessidade de um plano ambicioso e integrado de resposta às necessidades sociais. Há, porém, uma questão que se coloca: terá Portugal governantes e cidadãos capazes de arriscar novas fronteiras?
No seu diário, Eduardo Prado Coelho conta uma das histórias de um dos filme de Angelopoulos (“O passo suspenso da cegonha”), na qual um conhecido e brilhante político abandonou tudo e todos, depois de um discurso no Parlamento em que apenas afirmou que era preciso criarmos um estado de silêncio “que nos permitisse ouvir a música da chuva”. E partiu para outro lugar, não se sabe para onde, mas sobretudo partiu de si mesmo, para afrontar a deriva das fronteiras. Talvez seja do que Portugal precisa: de gente capaz de ousar para novas fronteiras (de sentido)."
João Wengorovius Meneses
Portugal é uma armadilha. Sendo um país pequeno, deveria ter a vantagem de permitir um modelo de desenvolvimento relativamente consensual, cuja descrição coubesse numa página A4. Porém, é um dos países europeus de maior complexidade, pois tem duas realidade económicas e sociais bastante distintas e polarizadas. O resultado dessa duplicidade é a aparente contradição entre os recentes indicadores de pobreza e exclusão social, divulgados pelo Eurostat, e o discurso “vanguardista” de José Sócrates.
Hoje, um dos desafios da governação do país é encontrar um modelo de desenvolvimento capaz de lidar com os diversos tipos de assimetrias que coexistem, das quais resultam, simultaneamente, necessidades sociais de “primeira geração”, próprias dos países mais atrasados – e que provocam pobreza e exclusão social –, e necessidades de “segunda geração”, próprias dos países mais desenvolvidos – e que provocam falta de qualidade de vida. Como se chegou a um país tão polarizado? Seria possível sermos mais desenvolvidos e equilibrados?
No virar do século XIX, Portugal era um país atrasado, com uma industrialização incipiente e uma população analfabeta. A Noruega era, então, uma colónia sueca, igualmente atrasada. Hoje, a Noruega é o país mais desenvolvido da Europa e Portugal um dos últimos. Segundo a OCDE, a Noruega é dos países com melhor produtividade e produto per capita, uma distribuição do rendimento mais igualitária e taxas de pobreza e desemprego mais baixas. Segundo o Forum Económico Mundial, é uma das economias mais competitivas do mundo. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, é o melhor país para se viver.
No século XX, o modelo de desenvolvimento da Noruega conseguiu um equilíbrio virtuoso entre social democracia e liberalismo económico, entre o papel do Estado, o das empresas e o dos cidadãos. Já em Portugal, o século XX foi um fracasso: a revolução industrial nunca chegou a acontecer, o potencial de África iludiu-nos e a abertura à Europa é demasiado recente. O resultado é um país a duas velocidades. Embora a adesão à Europa tenha sido positiva, ela “desequilibrou” o país.
Para Portugal, a Europa sempre foi um “negócio” arriscado, que dependia de aplicarmos os fundos recebidos em investimentos reprodutivos e de uma transição directa para uma sociedade do conhecimento. Por isso, à aposta de Cavaco Silva em ‘hardware’ (o “betão”) se seguiu a aposta de Guterres no ‘software’ do desenvolvimento (a educação). Simplesmente, como esta última não foi bem sucedida, o que se temia aconteceu: em resumo, a Europa deu-nos dinheiro para fazermos auto-estradas e agora vende-nos os seus BMW (a crédito).
Que fazer? Vejamos o exemplo do governo britânico, que acaba de anunciar as suas quatro prioridades para o próximo ano: competitividade económica, desenvolvimento das capacidades dos cidadãos, personalização e melhoria dos serviços públicos, e atribuição de mais poder aos cidadãos e comunidades.
Portugal tem um Plano Tecnológico para a competitividade económica, uma Iniciativa Novas Oportunidades para desenvolver as capacidades dos cidadãos e um Simplex para melhorar os serviços do Estado. Falta-lhe um plano de atribuição de mais poder aos cidadãos, ao qual se junta, por atraso histórico, a necessidade de um plano ambicioso e integrado de resposta às necessidades sociais. Há, porém, uma questão que se coloca: terá Portugal governantes e cidadãos capazes de arriscar novas fronteiras?
No seu diário, Eduardo Prado Coelho conta uma das histórias de um dos filme de Angelopoulos (“O passo suspenso da cegonha”), na qual um conhecido e brilhante político abandonou tudo e todos, depois de um discurso no Parlamento em que apenas afirmou que era preciso criarmos um estado de silêncio “que nos permitisse ouvir a música da chuva”. E partiu para outro lugar, não se sabe para onde, mas sobretudo partiu de si mesmo, para afrontar a deriva das fronteiras. Talvez seja do que Portugal precisa: de gente capaz de ousar para novas fronteiras (de sentido)."
João Wengorovius Meneses
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