domingo, junho 15, 2008

UMA RAÇA DE POLÍTICOS

"1. A "raça" política portuguesa voltou a manifestar-se a propósito de uma palavra na boca do Presidente da República. O que aconteceu? Pois uma coisa gravíssima! Cavaco Silva atreveu-se a utilizar um termo maldito, que pelos vistos estaria registado em nome de um antigo ditador provinciano; aludiu a um conceito fascista, inquietou o zelo da extrema-esquerda que no final do século passado se converteu discretamente aos ardores da Democracia e lançou a sombra do medo sobre o Dia de Portugal, que eu só não digo da Pátria porque não pretendo convocar o zelo destes novos preciosos inquisidores.

A coisa, obviamente, indignou Louçã; mais tarde também agitou a secção de comunicados do PCP; e pelo meio arregimentou algum do jornalismo que há muitos anos se mantém vigilante, a bem da Nação - perdão, do Povo.

E o que queriam eles? Pois nada de especial: apenas que o Presidente admitisse o dano à nossa tranquilidade colectiva e depusesse sobre as suas reais intenções. O País não mais dormiria descansado enquanto Cavaco não ajoelhasse perante a Democracia em risco. Desde o cigarro de Sócrates que não se via um escândalo assim!

Pois sabem o que os portugueses, esses ingratos, fizeram? Ou riram, ou ficaram indiferentes, ou nem sequer souberam da polémica. Andavam, e andam, a divertir-se com o "Portugal, olé", ou a preocuparem-se com o bloqueio dos camionistas, enquanto deitam contas à vida e tentam sobreviver à crise instalada. O próprio Chefe do Estado, arrogante, nem resposta deu.

Eu só pergunto: acham isto normal? Então os portugueses não se preocupam com esta ameaça latente que paira a partir dos céus de Belém? Só a extrema-esquerda vigia? Francamente, tenho de admitir que não merecemos esta "raça" de políticos.

2. Claro que Sócrates mudou. A autoconfiança, num País tão dependente dos outros, só faz sentido quando a conjuntura económica internacional corre bem. Já houve tempo para isso, de facto. Agora não vivemos o tempo propício ao posso e mando ou ao voluntarismo. E o primeiro-ministro, político experimentado, mudou de estratégia. Está mais aberto ao diálogo, mais receptivo à negociação. Provou-o na gestão da crise dos camionistas com uma paciência que no passado provavelmente não teria, que a ponte de Cavaco lhe ensinou e que a nova oposição do PSD igualmente não aprecia.

Claro que um governo deve analisar os problemas dos seus cidadãos, governar para as pessoas, ajudá-las nas dificuldades, arranjar soluções para os problemas novos; e que o direito ao protesto não só é legítimo como é a única forma de corrigir os desvios do poder, que sempre tende para o autismo e a prepotência.

A questão, neste caso, é que o protesto dos camionistas se situou muitas vezes para além do admissível, colocando em causa o Estado, cuja vulnerabilidade foi reconhecida pelo primeiro-ministro no Parlamento. Aí não houve novidade: Bloco e PCP refugiaram-se na demagogia e o PSD e o PP optaram pela cobardia. Todos parecem acreditar que os votos caem da oposição sistemática, da crítica pela crítica. E pode não ser, de facto, assim.

Não entendo! Se, no presente, Portugal continua a disputar o Europeu de futebol, a jogar bem, com evidente união entre o treinador e os jogadores; e se, no futuro, Ronaldo, e Quaresma, e Moutinho, e Nani, e Carvalho, vão continuar a ser portugueses; e se Deco e Pepe também já não podem actuar por outra selecção; por que razão é que a partida de Scolari deveria preocupar quem gosta do futebol português? Esta outra polémica, artificial, não é só pouco inteligente; também não tem razão de ser.
"

João Marcelino

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