O mistério de Belém
"Cavaco Silva fala de menos. E quando fala, as suas palavras surgem envolvidas na reserva de um meio silêncio.
O Presidente da República falou ao país. Por preguiça ou distracção, os comentadores falharam na previsão da forma e do tema. Depois de tantos anos, Cavaco Silva ainda consegue atingir um toque de imprevisibilidade. Também Mário Soares não resistiu à surpresa e apressou-se a condenar a comunicação sobre o Estatuto dos Açores como “inoportuna”. Que importa que em 1986 o mesmo Mário Soares, enquanto Presidente da República, tenha feito uma comunicação ao país sobre o veto ao Estatuto dos Açores. Uma crítica de Mário Soares voa como elogio na consciência de Cavaco Silva.
Feito o registo da extravagância, segue-se o quadro sério. Cavaco Silva fala de menos. E quando fala, as suas palavras surgem envolvidas na reserva de um meio silêncio. Aliás, o Presidente da República tem por hábito não afirmar, mas alertar de modo tímido e demasiado equívoco.
Na comunicação sobre o Estatuto dos Açores, o Presidente da República fez o pleno e conseguiu desagradar a toda a gente. Entende-se o esforço de imparcialidade, mas ao pairar sobre a vida política, Cavaco Silva parece afastar-se da realidade do país. O Presidente da República convocou os portugueses para uma mensagem urgente, porém faltou a afectividade e a confiança que deve orientar a ligação entre o país e a Presidência. Naquela noite de Verão, os portugueses viram um Presidente da República nervoso, distante e remoto.
Para não fugir à regra, a comunicação de Cavaco Silva é mais interessante pelo que não diz e se depreende. Primeiro, fica provada a falha nos mecanismos de funcionamento da cooperação estratégica. Se a confiança entre primeiro-ministro e Presidente da República tivesse sido efectiva, Cavaco Silva não teria recorrido ao fiel da balança política que é a relação com o país. Segundo, a revisão do Estatuto dos Açores implica uma alteração no equilíbrio político-institucional. Na visão de Cavaco Silva, o que está em causa no Estatuto dos Açores é uma violação grosseira dos pressupostos da cooperação estratégica. Sócrates tem toda a liberdade na respectiva esfera de competências, mas Cavaco Silva não inclui nessa autonomia a mudança das regras do jogo político ao sabor das conveniências eleitorais. Fica pois o aviso.
Os portugueses apreciavam uma palavra do Presidente da República sobre o estado do mundo e a condição de Portugal. Ao optar por um silêncio misterioso sobre a crise nacional, o Presidente da República falou demais para dizer de menos."
Carlos Marques de Almeida
O Presidente da República falou ao país. Por preguiça ou distracção, os comentadores falharam na previsão da forma e do tema. Depois de tantos anos, Cavaco Silva ainda consegue atingir um toque de imprevisibilidade. Também Mário Soares não resistiu à surpresa e apressou-se a condenar a comunicação sobre o Estatuto dos Açores como “inoportuna”. Que importa que em 1986 o mesmo Mário Soares, enquanto Presidente da República, tenha feito uma comunicação ao país sobre o veto ao Estatuto dos Açores. Uma crítica de Mário Soares voa como elogio na consciência de Cavaco Silva.
Feito o registo da extravagância, segue-se o quadro sério. Cavaco Silva fala de menos. E quando fala, as suas palavras surgem envolvidas na reserva de um meio silêncio. Aliás, o Presidente da República tem por hábito não afirmar, mas alertar de modo tímido e demasiado equívoco.
Na comunicação sobre o Estatuto dos Açores, o Presidente da República fez o pleno e conseguiu desagradar a toda a gente. Entende-se o esforço de imparcialidade, mas ao pairar sobre a vida política, Cavaco Silva parece afastar-se da realidade do país. O Presidente da República convocou os portugueses para uma mensagem urgente, porém faltou a afectividade e a confiança que deve orientar a ligação entre o país e a Presidência. Naquela noite de Verão, os portugueses viram um Presidente da República nervoso, distante e remoto.
Para não fugir à regra, a comunicação de Cavaco Silva é mais interessante pelo que não diz e se depreende. Primeiro, fica provada a falha nos mecanismos de funcionamento da cooperação estratégica. Se a confiança entre primeiro-ministro e Presidente da República tivesse sido efectiva, Cavaco Silva não teria recorrido ao fiel da balança política que é a relação com o país. Segundo, a revisão do Estatuto dos Açores implica uma alteração no equilíbrio político-institucional. Na visão de Cavaco Silva, o que está em causa no Estatuto dos Açores é uma violação grosseira dos pressupostos da cooperação estratégica. Sócrates tem toda a liberdade na respectiva esfera de competências, mas Cavaco Silva não inclui nessa autonomia a mudança das regras do jogo político ao sabor das conveniências eleitorais. Fica pois o aviso.
Os portugueses apreciavam uma palavra do Presidente da República sobre o estado do mundo e a condição de Portugal. Ao optar por um silêncio misterioso sobre a crise nacional, o Presidente da República falou demais para dizer de menos."
Carlos Marques de Almeida
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