Cadeia com eles?...
"O reforço das penas e dos poderes dos supervisores financeiros aprovado pelo Governo é evidentemente oportunístico, porque é lavrado num momento de paranóia securitária nos mercados. Mas é também oportuna, mesmo sendo mais preventiva de crises futuras do que curativa das presentes. A pergunta a fazer não é "porquê agora?". É "porquê só agora?".
Portugal torna-se um dos primeiros países a mudar a regulamentação, o que é raro. Quando Carlos Tavares suspendeu, há semana e meia, o "naked short-selling", a tal possibilidade de venda de acções que não se têm, que indignou José Sócrates, não fez mais do que alinhar com os demais reguladores europeus. Fez, aliás, bem. Agora, ao mudar as regras antes dos outros, o Governo corre riscos. Felizmente, preferiu o risco de fazer de menos ao risco de fazer de mais. Mesmo com algum moralismo à mistura, o que está na lista de alterações já lá devia estar há muito tempo.
A investigação de crimes económicos ("colarinho branco", operações Furacão, abusos de mercado) é recente em Portugal. Mas já há experiência suficiente para ver que há reguladores a precisar de meios, leis a precisar de penas, investigadores a precisar de ajuda e juízes a precisar de ir à faculdade de economia.
Não é preciso nenhuma crise financeira para ver que as penas eram ridículas. Em muitos casos, as multas de cinco mil euros que a CMVM cobra cabem nas covas dos dentes dos prevaricadores, que nem sequer são expostos. Noutros casos, em que o são, a condenação social da divulgação acaba por ser a única punição substancial.
Foi apenas há cinco anos que houve o primeiro julgamento em Portugal por abuso de informação privilegiada: Miguel Sousa Cintra, assim ficou provado, lucrou quase quatro milhões de euros com informação privilegiada. Foi condenado a 18 meses de prisão com pena suspensa e pagou 499 mil euros a instituições de caridade. Ridículo: pagou um oitavo do que lucrara. O crime compensou.
Demasiadas vezes a justiça funcionou sem que se fizesse justiça. O agravamento das penas é, de facto, oportunístico, aproveita e até agrava a actual desconfiança da opinião pública sobre os gestores. Mas era imoral pagar pequeninas coimas e ir para Londres gozar os lucros.
Mas há nesta nova regulamentação um claro sinal dos tempos que vivemos: a inversão do ónus, o fim da presunção da inocência. Na publicidade a produtos financeiros, isso é claríssimo: os bancos não mereceram a confiança que lhes foi dada e andaram a promover produtos magros como se fossem gordos, ocultando riscos e prejuízos. São os "produtos complexos", que o são tanto que ninguém os percebe. Nem quem compra, nem, por vezes, o comissionado agente que os vende. Basta olhar para o leque dos produtos estruturados.
Restam as remunerações, o sempiterno tema de que os administradores detestam falar. O Governo decidiu que os modelos de prémios de gestão (não os valores, mas os modelos) têm de ser aprovados em Assembleia Geral e só há que estranhar que o não tenham sido ainda. E encoraja que o pagamento seja no fim do mandato e não em cada ano, para afastar os riscos de curto prazo.
Veremos o que fazem disto os accionistas. O "capitalismo popular", enquanto expressão de activismo accionista, nunca chegou a Portugal. Os pequenos investidores sempre foram muito tidos mas pouco achados para as empresas e para os seus gestores, e também nunca fizeram muito para o contrariar.
O grande risco de regulamentar numa altura em que ninguém pode criticar mais policiamento é a tentação de popularizar o que se passa nos mercados. Fazer justicialismo em vez de justiça. É perigosíssimo. Mas não é isso que aqui acontece. A ocasião fez o ladrão. A ocasião fez o polícia."
Pedro Santos Guerreiro
Portugal torna-se um dos primeiros países a mudar a regulamentação, o que é raro. Quando Carlos Tavares suspendeu, há semana e meia, o "naked short-selling", a tal possibilidade de venda de acções que não se têm, que indignou José Sócrates, não fez mais do que alinhar com os demais reguladores europeus. Fez, aliás, bem. Agora, ao mudar as regras antes dos outros, o Governo corre riscos. Felizmente, preferiu o risco de fazer de menos ao risco de fazer de mais. Mesmo com algum moralismo à mistura, o que está na lista de alterações já lá devia estar há muito tempo.
A investigação de crimes económicos ("colarinho branco", operações Furacão, abusos de mercado) é recente em Portugal. Mas já há experiência suficiente para ver que há reguladores a precisar de meios, leis a precisar de penas, investigadores a precisar de ajuda e juízes a precisar de ir à faculdade de economia.
Não é preciso nenhuma crise financeira para ver que as penas eram ridículas. Em muitos casos, as multas de cinco mil euros que a CMVM cobra cabem nas covas dos dentes dos prevaricadores, que nem sequer são expostos. Noutros casos, em que o são, a condenação social da divulgação acaba por ser a única punição substancial.
Foi apenas há cinco anos que houve o primeiro julgamento em Portugal por abuso de informação privilegiada: Miguel Sousa Cintra, assim ficou provado, lucrou quase quatro milhões de euros com informação privilegiada. Foi condenado a 18 meses de prisão com pena suspensa e pagou 499 mil euros a instituições de caridade. Ridículo: pagou um oitavo do que lucrara. O crime compensou.
Demasiadas vezes a justiça funcionou sem que se fizesse justiça. O agravamento das penas é, de facto, oportunístico, aproveita e até agrava a actual desconfiança da opinião pública sobre os gestores. Mas era imoral pagar pequeninas coimas e ir para Londres gozar os lucros.
Mas há nesta nova regulamentação um claro sinal dos tempos que vivemos: a inversão do ónus, o fim da presunção da inocência. Na publicidade a produtos financeiros, isso é claríssimo: os bancos não mereceram a confiança que lhes foi dada e andaram a promover produtos magros como se fossem gordos, ocultando riscos e prejuízos. São os "produtos complexos", que o são tanto que ninguém os percebe. Nem quem compra, nem, por vezes, o comissionado agente que os vende. Basta olhar para o leque dos produtos estruturados.
Restam as remunerações, o sempiterno tema de que os administradores detestam falar. O Governo decidiu que os modelos de prémios de gestão (não os valores, mas os modelos) têm de ser aprovados em Assembleia Geral e só há que estranhar que o não tenham sido ainda. E encoraja que o pagamento seja no fim do mandato e não em cada ano, para afastar os riscos de curto prazo.
Veremos o que fazem disto os accionistas. O "capitalismo popular", enquanto expressão de activismo accionista, nunca chegou a Portugal. Os pequenos investidores sempre foram muito tidos mas pouco achados para as empresas e para os seus gestores, e também nunca fizeram muito para o contrariar.
O grande risco de regulamentar numa altura em que ninguém pode criticar mais policiamento é a tentação de popularizar o que se passa nos mercados. Fazer justicialismo em vez de justiça. É perigosíssimo. Mas não é isso que aqui acontece. A ocasião fez o ladrão. A ocasião fez o polícia."
Pedro Santos Guerreiro
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home