segunda-feira, outubro 06, 2008

O multibanco de Arsène Lupin

"Tenho andado muito preocupado com a onda de assaltos no nosso País. Já basta a insegurança que temos sobre o nosso futuro, provocada pela crise financeira, para agora ainda termos medo de pôr o nariz fora de casa sem sermos assaltados por algum marginal. Só que o problema é muito mais sério que isto

Estava eu a preparar-me para um livro que estou a escrever sobre o comportamento económico de Arsène Lupin, quando me caiu nas mãos um recentíssimo "paper" que o meu colega e amigo ruandês Dáká Umeu publicou na revista Steal Today, sob o título "Bank Robberies, Street Stealing and Taxes: Three of the same Kind". Carteirista na sua meninice, Dáká Umeu foi um notável aluno universitário no seu país, fez uma pós-graduação sobre cartéis em Medelin e teve uma breve passagem como chefe de divisão na administração fiscal do Mali antes de ser Director of Creative Loans and Imaginative Funding e, mais tarde, membro do conselho de administração do Disposable Bank of Upper Nigeria.

Analisando a evidência empírica de mais de uma centena de países, Dáká chega a conclusões que são altamente perturbadoras para nós. Em primeiro lugar, uma consequência da actual crise financeira é que, ao contrário do que se pensa, os assaltos aos bancos vão diminuir. Qual é o ladrão que se preza que vai assaltar bancos falidos? Mais vale a pena assaltar os cidadãos, que, até por medo destas falências, passam a não depositar o seu dinheiro e, assim, andam com ele. Para o ladrão é só ir colher na fonte.

O que acontece no nosso País mostra o acertado desta previsão: o primeiro exemplo são os assaltos às caixas multibanco – as pessoas, para evitar as longas filas, preferem levantar dinheiro no multibanco, pelo que os ladrões só têm que, ou ficar lá à espera, ou assaltar a própria caixa multibanco. O segundo exemplo são os assaltos às bombas de gasolina: os ladrões, de tanto lerem jornais onde clientes, transportadores e até ministros da República dizem que o preço combustíveis é um autêntico roubo de tão alto que é, vão logo colher o dinheiro onde ele está. Mais, no caso de serem apanhados, sempre podem argumentar, como atenuante, que ladrão que rouba a ladrão deveria ter cem anos de perdão.

Mas Dáká Umeu mostra que o que parece mau é ainda pior. A queda da actividade económica aumenta o desemprego e, consequentemente, o valor marginal da actividade de roubar sobe, até porque passa a ser comparado com o subsídio de desemprego. E, como se não bastasse termos mais ladrões, os novos entrantes neste mercado são amadores.

Mais uma vez, a evidência mostra-nos que também este efeito já é visível no nosso País. Por exemplo, veja-se o assalto à caixa multibanco do Centro Comercial de Alfragide, do passado dia 1 de Outubro. O ladrão passeou tanto tempo em frente ao multibanco que deu nas vistas, pois, como diz uma lojista: "Eu achei estranho o rapaz andar por aqui a rondar, e ainda por cima com uma camisola com um capuz que lhe cobria parte da cara". E se dúvidas houvera de que era um amador, a fuga do ladrão é a prova provada para a lojista de que o roubo foi muito mal planeado: "Na porta está escrita a palavra ‘puxe’ e o rapaz não parava de empurrar. Eu penso que isto demonstra que ele não estudou bem o terreno, mas, mesmo assim, conseguiu fugir".

Como pode o Estado contrariar esta tendência e reduzir a taxa de criminalidade? Sei que o Ministério da Economia prepara uma abordagem inovadora e radical, corrigindo um erro essencial até agora praticado: considerar que o crime é uma actividade a reprimir, a cargo dos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, e tratá-lo como um problema de actividade económica, a ser regulada e controlada pelo Estado. Em conformidade com esta tese, o Ministério da Economia concebeu um Programa de duas medidas de grande alcance.

A primeira, designada por componente legal, é legalizar os roubos: se o roubo passar a ser uma actividade legal, imediatamente, melhoram as estatísticas do crime. A segunda é a componente fiscal: os profissionais desta nova actividade económica seriam obrigados a passar recibo aos assaltados pelo valor do roubo, para que estes possam abater em sede de IRS os valores de que foram despojados, cortesia mínima a ter com a mão que os alimenta. Depois, é criar o imposto sobre os assaltos, fixando uma taxa de imposto sobre o roubo suficientemente alta para que ninguém roube porque já não compensa. Só há que ter um cuidado: isentar os serviços do Estado desta taxa.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha que o Governo devia fazer para reduzir a criminalidade: "É integrar os ladrões na Administração Pública, que os roubos passam a ser serviços ao cidadão."


Frederico Bastião

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