sexta-feira, outubro 31, 2008

Um orçamento incompetente e desonesto

"Uma das formas mais graves de incompetência é não perceber o que é prioritário e o que é secundário. A política económica em Portugal deve ter como objectivo final aumentar o potencial de crescimento da economia, que caiu de forma estrutural para níveis abaixo dos da UE, remetendo-nos para uma divergência estrutural, e remetendo-nos ainda para sermos ultrapassados por países que entraram depois de nós, ou seja, que estão há muito menos tempo a receber ajudas da UE.


É inacreditável que o Governo não perceba que este é, de longe, o mais importante e mais grave problema económico português. O Relatório do OE continua a ignorar a existência deste problema e, como o problema é ignorado, praticamente não há propostas para o resolver.

Um dos traços mais evidentes deste problema é a falta de competitividade que tem levado a um elevadíssimo défice externo e uma dívida externa numa trajectória explosiva. O Governo não tem a desculpa de dizer que está a prestar mais atenção à gestão da crise conjuntural, porque, justamente esta, com a crise do crédito, veio exacerbar ainda mais o problema estrutural do endividamento externo. Pode haver maior incompetência do que um Governo não perceber qual é o mais grave problema económico português?

Quanto a desonestidade, os exemplos são inúmeros. Desde logo, o cenário macroeconómico delirante. O mundo está a viver uma crise gravíssima (que leva mesmo alguns a vaticinar o fim da economia de mercado) e a economia portuguesa (Ah! valente) desacelera apenas duas décimas!

Depois, só nas despesas de pessoal tivemos duas desonestidades. A primeira foi a introdução inconsistente de uma alteração metodológica. Se esta alteração fosse aplicada de forma consistente a 2009 e aos anos anteriores, nada haveria a objectar. A segunda desonestidade foi dizer que esta alteração tinha sido feita a pedido externo, o que o Eurostat prontamente desmentiu. Estas desonestidades foram rapidamente desmontadas, daí a pergunta: qual a lógica de incorrer na crítica da desonestidade sem qualquer benefício? Temos que concluir que se tratou de uma desonestidade incompetente.

Temos ainda a desonestidade de falar em consolidação orçamental quando os défices de 2008 e 2009 são obtidos com receitas extraordinárias, como se fossem recorrentes. A diferença entre receita total e receita fiscal e contributiva era suposto ser 6,3% do PIB em 2008, mas, afinal, vai ser 7,3%. E para 2009 espera-se que esta diferença suba para 8,5%. Se estas receitas permanecessem no nível do esperado para 2008 (6,3% do PIB), o verdadeiro défice de 2008 seria 3,2% do PIB e o de 2009 seria 4.4% do PIB.

Ao verdadeiro défice de 2009 falta ainda adicionar mais duas parcelas: a desorçamentação (Estradas de Portugal, SCUT, etc., etc.) e o optimismo orçamental. Com o cenário mirabolante de manutenção do desemprego, as despesas sociais estão subestimadas. Já as receitas fiscais estão triplamente inflacionadas. Por um lado, o Governo está demasiado optimista em relação ao crescimento do PIB. Em segundo lugar, e contrariamente ao que já se passou em 2008, o Governo prevê que haja um aumento da eficiência fiscal. Em terceiro lugar, há um conjunto de benesses fiscais que o Governo apregoa, mas (diz o Governo) isso não tem impacto sobre a receita fiscal. Das duas uma, ou as benesses são inconsequentes, ou a receita está sobreavaliada.

Em resumo, o verdadeiro défice de 2009 deverá estar acima dos 5% do PIB. Na verdade, este é um orçamento de altíssimo risco, para ganhar as eleições. Se o Governo ganhar a aposta, depois das eleições inventa umas patranhas (em que são especialistas) para justificar por que é que o défice, afinal, esteve tão longe dos 2,2%. Se o Governo perder as eleições, o próximo Governo apanha com um défice de mais de 5% do PIB e vai-se ver às aranhas para o domesticar. Já repararam como esta jogada se parece com a dos banqueiros americanos? Fazem uma aposta muito arriscada; se correr bem, ganham milhões; mas se correr mal, a factura fica para os outros
."

Pedro Braz Teixeira

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