CAUSAS DE TRAZER POR CASA
"A eficácia da violência doméstica contra as mulheres, que só em Portugal e só este ano matou 43, não levanta dúvidas. Já a eficácia de um Dia Internacional dedicado a erradicar a dita é altamente duvidosa, conforme têm provado os dias similares contra o cancro, a fome, a pobreza, a guerra, a malária, o lúpus, as obras completas de Jorge Palma e as restantes pragas que assolam a espécie. Ainda por cima, os seus preponentes também não inspiram muitas certezas. Nem falo da ONU, que lançou um abaixo-assinado alusivo enquanto acarinha regimes que fazem da opressão das mulheres ritual e lei. Por cá, ocasiões assim são pretexto para que associações simpáticas apareçam a tentar salvar a Terra ou o vazio das suas agendas. O problema está nos termos da salvação.
Vejamos o exemplo da UMAR, grupo feminista que pede às mulheres que gritem "mais alto" e cuja petição "on line" apela aos homens para "se solidarizarem com as vítimas de violência, retirarem o apoio aos agressores e se demarcarem publicamente dos seus actos". Sinceramente, estava convencido de que, numa sociedade razoavelmente civilizada e na perspectiva de gente razoavelmente civilizada, a demarcação pública face a selvagens que espancam senhoras era um dado adquirido, isento de assinatura virtual ou material. Logo no título ("Eu não sou cúmplice"), porém, a petição da UMAR sugere o inverso: quem não subscreve estas coisas participa do crime.
Confesso-me atordoado. Afinal, sempre que, no recato do lar, um tarado qualquer espanca a cônjuge, alegadamente eu sou um bocadinho culpado. Um destes dias, a minha mulher começa a olhar-me de viés, para não falar das mulheres dos milhões de portugueses decentes que não assinam petições (à data em que escrevo, uns escassos 801 cavalheiros obedeceram à UMAR).
Nada disto espanta. Ao invés dos infelizes mortos ou agredidos por delinquentes na rua, que raramente suscitam movimentos de apoio, as vítimas da violência doméstica, igualmente um caso de polícia, foram erguidas ao estatuto de "causa". E na euforia mobilizadora das "causas", é sabido, não há meias medidas: ou se está do lado do Bem ou do lado do Mal, pressuposto que não ofende (embora pretenda ofender) quando o tema é o aborto, a eutanásia ou o casamento gay, mas que, no contexto do homicídio, roça a calúnia. Com tocante leveza, então, a UMAR acusa-me de cumplicidade em cada um dos 43 assassínios conjugais. Por sorte, os cento e tal assassinos que, em 2008, mataram fora de portas e sem discriminação de género parecem ter agido sozinhos, o que em tribunal me aliviaria a pena, pelo menos a judicial."
Vejamos o exemplo da UMAR, grupo feminista que pede às mulheres que gritem "mais alto" e cuja petição "on line" apela aos homens para "se solidarizarem com as vítimas de violência, retirarem o apoio aos agressores e se demarcarem publicamente dos seus actos". Sinceramente, estava convencido de que, numa sociedade razoavelmente civilizada e na perspectiva de gente razoavelmente civilizada, a demarcação pública face a selvagens que espancam senhoras era um dado adquirido, isento de assinatura virtual ou material. Logo no título ("Eu não sou cúmplice"), porém, a petição da UMAR sugere o inverso: quem não subscreve estas coisas participa do crime.
Confesso-me atordoado. Afinal, sempre que, no recato do lar, um tarado qualquer espanca a cônjuge, alegadamente eu sou um bocadinho culpado. Um destes dias, a minha mulher começa a olhar-me de viés, para não falar das mulheres dos milhões de portugueses decentes que não assinam petições (à data em que escrevo, uns escassos 801 cavalheiros obedeceram à UMAR).
Nada disto espanta. Ao invés dos infelizes mortos ou agredidos por delinquentes na rua, que raramente suscitam movimentos de apoio, as vítimas da violência doméstica, igualmente um caso de polícia, foram erguidas ao estatuto de "causa". E na euforia mobilizadora das "causas", é sabido, não há meias medidas: ou se está do lado do Bem ou do lado do Mal, pressuposto que não ofende (embora pretenda ofender) quando o tema é o aborto, a eutanásia ou o casamento gay, mas que, no contexto do homicídio, roça a calúnia. Com tocante leveza, então, a UMAR acusa-me de cumplicidade em cada um dos 43 assassínios conjugais. Por sorte, os cento e tal assassinos que, em 2008, mataram fora de portas e sem discriminação de género parecem ter agido sozinhos, o que em tribunal me aliviaria a pena, pelo menos a judicial."
Alberto Gonçalves
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home