terça-feira, janeiro 27, 2009

A força da mentira

"Um Governo que se especializou na venda de ilusões tem dificuldade em decretar desilusões. Um Governo que tem muitas vezes feito da mentira uma poderosa arma não se adapta com facilidade a proclamar a verdade. Um Governo autista que se julga infalível nas soluções recusa partilhar as ideias de quem pensa diferente.

Foi por isso que o Executivo tardou em oficializar a "novidade" da recessão. E foi por isso que deixou que fosse aprovado, há um mês, um Orçamento de pura fantasia com um disparatado cenário macroeconómico, uma absurda sobreorçamentação de impostos (p. ex, com um aumento dos impostos indirectos de 4,9% quando no Orçamento espanhol, feito antes do nosso, se previu já uma diminuição de 5,9%...) e uma insensível subestimação de certas despesas sociais (o subsídio de desemprego igual a 93% do valor de 2007!).

Vem agora, em estilo cândido, decretar a sua prematura morte com um designado orçamento suplementar (que orgulho patético em evitar a palavra rectificativo!). Dezasseis dias depois da entrada em vigor do nado-morto apresenta um défice (ainda subestimado) de 3,9% do PIB e um endividamento recorde que atinge os 70% do Produto.

Bem pode Sócrates invocar o cobertor da crise mundial para tudo justificar e esconder a crise que já havia antes desta crise. Com ele, a culpa é sempre dos outros. Cá dentro ou lá fora. Primeiro foi cá dentro, com a rábula do défice de 2005 encomendada por medida para se permitir infringir o contrato ético-eleitoral com que ganhara as eleições. Agora a culpa é da crise externa e só desta, à "excepção", claro, da descida das taxas Euribor que, segundo o PM, é de sua lavra.

Sócrates diz à exaustão que "pusemos as contas públicas em ordem". Estará mesmo convencido?

Apesar do OE 2009 ter sido apresentado de modo a dificultar as comparações (veja-se, como exemplo, o caso das pensões da CGA com a redução artificial das despesas com pessoal em 1,8% do PIB), a aparente melhoria do défice durante esta legislatura foi alcançada através de mais impostos para financiar mais despesa e não de menos despesa.

Há entre jornalistas seguidistas e opinadores preguiçosos quem continue a negar a evidência do aumento da despesa. Mas os números falam por si. Em base comparável, e antes da alteração orçamental ora apresentada, a despesa total do SPA passou de 65,6 mil milhões de euros em 2004 para 83 mil milhões no defunto OE 2009, ou seja um aumento de 26,6% bem superior ao crescimento do PIB nominal (à volta de 18%).

Isto para não falar do reforço da desorçamentação, da escandalosa baixa execução do QREN (e consequentemente do diferimento de despesa para dissimular o défice de 2008) e da engenharia das parcerias público-privadas. Decisivas reformas como o PRACE deram em apoplexia legislativa sem resultados visíveis, como aliás constata agora a independente Standard & Poor's.

Quanto aos impostos, o acréscimo da pressão fiscal entre 2004 e 2009 foi superior a 3% do PIB, o que significa que trabalhamos mais 11 dias por ano a benefício exclusivo do insaciável Estado.

Nesta legislatura, terá havido menos receitas extraordinárias para diminuir o défice, mas, em contrapartida, houve mais impostos. Pergunto: o que faz pior à economia, em particular num momento destes?

Mas não se pense que as tão diabolizadas receitas extraordinárias desapareceram. Eis algumas, agora ditas angelicamente "receitas temporárias": alienação de imóveis (567 M euros), transmissão de direitos de utilização no domínio hídrico à EDP (832 M euros), vendas de bens de investimento e outros activos (800 M euros), etc. E de Outubro passado para agora, o dito OE suplementar aumentou prodigiosamente em 733 M euros as chamadas "outras receitas correntes e de capital", o que comparado com o estimado para 2008 significa mais 2,2% do PIB! Para além de mais dinheiro da UE, não haverá ali muita receita não recorrente?...

Destes quatro anos o que resta? Muitos sacrifícios desperdiçados, muita propaganda forjada. No fim ... voltamos ao princípio. Maior endividamento, maior distância da Europa, menor produtividade. E com uma taxa de desemprego bem maior do que aquela que o PM há quatro anos considerava quase criminosa! É no que dá a força da mentira
!"

António Bagão Félix

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