sexta-feira, abril 17, 2009

Penas com bónus

"Quando um cidadão comete um crime e há a esperança fundada de que a mera censura da condenação seja suficiente para que ele não volte a praticar crimes, o tribunal deve suspender a execução da pena de prisão. A pena de prisão fica então suspensa por um período de tempo durante o qual o cidadão é posto à prova. Se o cidadão não voltar a cometer crimes nesse período e respeitar as condições impostas pelo tribunal, no final do período o tribunal decreta a extinção da pena de prisão.

As penas de prisão suspensa também são incluídas no registo criminal. Esta inscrição no registo criminal é muito importante, porque ela serve para os tribunais saberem que o cidadão já foi condenado com uma pena suspensa anterior. Contudo, a lei prevê um prazo a partir do qual o registo criminal da pena deve ser cancelado se o cidadão não tiver cometido crimes novos. O Ministério da Justiça tem contado o prazo para o cancelamento do registo criminal da pena a partir do momento em que a condenação se torna definitiva, ou seja, a partir do trânsito em julgado da condenação. Esta prática constitui um bónus indevido na contagem do prazo para o cancelamento do registo criminal, antecipando o início desse prazo. Trata-se de uma prática administrativa flagrantemente ilegal e inconstitucional. Por três razões.

A primeira razão é a de que esta prática do Ministério da Justiça ignora por completo a natureza da suspensão da pena de prisão. Com efeito, o Ministério da Justiça procede como se a pena de suspensão não existisse e não tivesse sido cumprida, contrariando a natureza alternativa desta pena e desprezando o cumprimento pelo condenado das condições da suspensão da pena. Por isso, o prazo para o cancelamento do registo criminal só deve começar a contar a partir da decisão de extinção da pena de prisão, que representa precisamente o reconhecimento do cumprimento das condições da suspensão da pena.

Por outro lado, esta prática do Ministério da Justiça contraria o propósito da própria reforma do Código Penal de 2007, que apostou na suspensão da pena de prisão. Os tribunais vão aplicar menos suspensões de prisão, porque não sabem se elas são devidamente inscritas no registo criminal.

A terceira razão é ainda mais grave: a prática do Ministério da Justiça põe em causa os princípios da independência dos tribunais e da separação dos poderes, pois atribui ao Governo o poder de modificar substancialmente os termos de uma condenação fixada pelos tribunais. Assim, se viola frontalmente a Constituição. Urge, portanto, que o Ministério da Justiça corrija esta situação e reponha rapidamente a legalidade no registo criminal
."

Paulo Pinto de Albuquerque

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