Banca, justiça e confiança
"1. Os banqueiros deviam pegar nas declarações feitas ontem por Fernando Teixeira dos Santos, imprimi-las em corpo de razoável dimensão e colá-las numa parede dos seus gabinetes, em local onde possam avistá-las com frequência. Ao discursar perante uma plateia do sector financeiro, o ministro das Finanças sublinhou, com palavras certeiras, aquilo que a memória curta pode transformar numa nova ameaça: "convém que, à saída desta crise, não esqueçamos por que entrámos nela".
A citação pode soar injusta para os responsáveis dos grandes bancos portugueses. A sua pequena dimensão nos mercados internacionais e o facto de terem contado com a explosão do imobiliário para gerarem resultados, desviou-lhes a atenção das aplicações que ganharam a alcunha de "activos tóxicos". Sofreram os embates da fuga de investidores das bolsas que fizeram deteriorar os balanços, mas resistiram bem à primeira vaga de turbulência da crise.
O abrandamento económico e os riscos assumidos nos fundos de pensões podem não ter o mesmo final cor-de-rosa. O crédito mal parado com origem nas famílias e empresas endividadas soma-se à baixa nos rendimentos por via do aumento do desemprego e da quebra na procura, para fazerem da qualidade da carteira de crédito um dos calcanhares de Aquiles que pode vir a doer mais do que transparece nos números até agora conhecidos.
O aviso do ministro das Finanças cairá, parcialmente, em saco roto, se não for, também, escutado e registado pelos reguladores e autoridades de supervisão. Falharam na prevenção dos casos que envolvem BCP, BPP e BPN. Como a crise provou, não há bancos sólidos sem uma regulação forte.
2. O Eurojust existe para ajudar na coordenação de investigações criminais que envolvam diferentes autoridades de países-membros da União Europeia. É presidido pelo magistrado português que está a ser alvo de um processo disciplinar porque terá, alegadamente, exercido pressões sobre dois investigadores do "caso Freeport", transmitindo-lhes que o primeiro-ministro desejaria ver o processo arquivado rapidamente.
Por causa desta situação, o procurador-geral da República decidiu afastar o Eurojust das averiguações sobre o Freeport, numa decisão que significa ter perdido a confiança no organismo e que não conta com o respectivo apoio no auxílio aos contactos entre autoridades portuguesas e inglesas. Perante este espectáculo de degradação da imagem da justiça portuguesa, agora com impactos além-fronteiras, o ministro da tutela nada diz e o primeiro-ministro diz nada.
Como referiu Adriano Moreira no programa "Prós e Contras" da RTP, o laço de confiança entre os cidadãos e as instituições do regime rompeu-se. Só num detalhe o professor não foi certeiro.
A ruptura não é de agora. Caso contrário, estas e outras peripécias do sistema de justiça não seriam recebidas com indiferença. Como não causam o mínimo sobressalto, revelam que as expectativas sobre a credibilidade do sistema já chegaram ao ponto zero.
Se a justiça é um pilar essencial de um Estado de Direito, Portugal está manco. E já nem se importa de exibir a deficiência perante os parceiros europeus."
João Cândido da Silva
A citação pode soar injusta para os responsáveis dos grandes bancos portugueses. A sua pequena dimensão nos mercados internacionais e o facto de terem contado com a explosão do imobiliário para gerarem resultados, desviou-lhes a atenção das aplicações que ganharam a alcunha de "activos tóxicos". Sofreram os embates da fuga de investidores das bolsas que fizeram deteriorar os balanços, mas resistiram bem à primeira vaga de turbulência da crise.
O abrandamento económico e os riscos assumidos nos fundos de pensões podem não ter o mesmo final cor-de-rosa. O crédito mal parado com origem nas famílias e empresas endividadas soma-se à baixa nos rendimentos por via do aumento do desemprego e da quebra na procura, para fazerem da qualidade da carteira de crédito um dos calcanhares de Aquiles que pode vir a doer mais do que transparece nos números até agora conhecidos.
O aviso do ministro das Finanças cairá, parcialmente, em saco roto, se não for, também, escutado e registado pelos reguladores e autoridades de supervisão. Falharam na prevenção dos casos que envolvem BCP, BPP e BPN. Como a crise provou, não há bancos sólidos sem uma regulação forte.
2. O Eurojust existe para ajudar na coordenação de investigações criminais que envolvam diferentes autoridades de países-membros da União Europeia. É presidido pelo magistrado português que está a ser alvo de um processo disciplinar porque terá, alegadamente, exercido pressões sobre dois investigadores do "caso Freeport", transmitindo-lhes que o primeiro-ministro desejaria ver o processo arquivado rapidamente.
Por causa desta situação, o procurador-geral da República decidiu afastar o Eurojust das averiguações sobre o Freeport, numa decisão que significa ter perdido a confiança no organismo e que não conta com o respectivo apoio no auxílio aos contactos entre autoridades portuguesas e inglesas. Perante este espectáculo de degradação da imagem da justiça portuguesa, agora com impactos além-fronteiras, o ministro da tutela nada diz e o primeiro-ministro diz nada.
Como referiu Adriano Moreira no programa "Prós e Contras" da RTP, o laço de confiança entre os cidadãos e as instituições do regime rompeu-se. Só num detalhe o professor não foi certeiro.
A ruptura não é de agora. Caso contrário, estas e outras peripécias do sistema de justiça não seriam recebidas com indiferença. Como não causam o mínimo sobressalto, revelam que as expectativas sobre a credibilidade do sistema já chegaram ao ponto zero.
Se a justiça é um pilar essencial de um Estado de Direito, Portugal está manco. E já nem se importa de exibir a deficiência perante os parceiros europeus."
João Cândido da Silva
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