terça-feira, julho 06, 2010

Apologia de Sócrates

"O caso PT fez renascer o liberalismo de cartola e o socialismo de cartilha de que Portugal tanto gosta.

Visto de perto, a política de Sócrates confunde-se com o diálogo de um cão com o seu dono sobre a necessidade de morder os amigos. Morda-se a Espanha, morda-se a Comissão Europeia, morda-se o mundo que conspira contra a modernidade nacional. Visto ainda mais de perto, o Governo está sentado no alto do ramo de uma árvore enquanto o primeiro-ministro se entretém a serrar o ramo pela base. A queda do Executivo será certamente um espectáculo do Cirque du Soleil e o PS agita-se ansioso por um sucessor de Sócrates.

De acordo com o primeiro-ministro, no caso PT os mercados fazem o trabalho do demónio em parceria com uma Comissão Europeia ultraliberal e pérfida de preconceitos sobre o papel do Estado na economia. Sócrates é o novo Quixote que enfrenta solitário uma ideologia liberal predatória e insensível à soberania do Estado. Mas o primeiro-ministro é também o defensor de um PEC em que se estabelece uma estratégia ‘market oriented' com o objectivo de melhor "enfrentar os desafios da liberalização do mercado". A desorientação é aqui prova de uma estrutural ausência de valores e de convicções.

Ainda de acordo com o primeiro-ministro, os mercados fazem o trabalho de deus. Quando os mercados alimentam o fluxo de dinheiro fresco para suportar a megalomania política do Governo, Sócrates elogia a confiança dos investidores estrangeiros em Portugal. Que importa uma dívida pública explosiva que ameaça a solidez financeira no futuro. E quando os juros dos financiamentos sobem, Sócrates denuncia a ganância imoral dos especuladores sobre a dívida soberana. A diferença entre um investidor e um especulador resume-se à conveniência política do momento.

No ‘affair' PT evoca-se ainda o interesse nacional. O interesse nacional é um conceito desvalorizado e completamente refém das envolvências políticas. Mais ainda, o interesse nacional tem sempre a pequena duração do curto prazo. Na utilização da ‘golden share' na PT existe apenas a fraqueza de um Estado que disfarça a incompetência com o discurso da coragem.

No mundo de hoje, e no horizonte do longo prazo, a afirmação de Portugal depende sobretudo da consistência de uma classe empresarial independente do Estado, autónoma e capaz de interpretar o interesse nacional para além dos interesses particulares e das conformidades políticas. O zelo nacionalista e partidário é a receita para o atraso.

Uma nota final ao cuidado do primeiro-ministro. Sem riqueza e crescimento económico não existe equidade social nem redistribuição de rendimentos. Dito de outro modo, sem liberais não existem socialistas. Eis o princípio político de toda uma governação
."

Carlos Marques de Almeida

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