domingo, janeiro 16, 2011

Um crime público

"O homicídio do "cronista" Carlos Castro às alegadas mãos do "modelo" Renato Seabra levou a imprensa a entrevistar os gays confessos de serviço: líderes das associações do ramo, aquele ex-deputado do PS que só foi eleito para votar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, um escritor obscuro, um jornalista idem, etc. No fundo, perguntou- -se-lhes se o crime afectaria a "imagem" dos homossexuais, como, presumo, não se tentaria averiguar se a "imagem" dos heterossexuais, dos zarolhos, dos adeptos do Belenenses ou, já agora, dos modelos e dos cronistas (a mim ninguém me perguntou nada) sairia imaculada de crime idêntico nas respectivas "comunidades". E os homossexuais, supõe-se que nessa curiosa qualidade, responderam cordialmente.

Um cidadão distraído talvez estranhe que quem reivindica o direito de uma "minoria" à igualdade aceite participar em semelhante exercício discriminatório. Um cidadão atento não estranha coisa nenhuma: é sabido que, para os que acham que a atracção por gente de idêntico sexo define uma "identidade", um certo tipo de discriminação é objectivo, não é obstáculo. Muitos homossexuais aceitam com jovialidade a redução ao estereótipo e depois espantam-se que o mesmo método sirva propósitos distintos.

No homicídio em causa, a maioria dos propósitos roça o grotesco. Durante a semana, a Internet e as conversas de rua foram tomadas por uma espécie de demência colectiva, a qual sustenta que o assassínio de um "maricas" (sic) ou "bicha" (idem) merece tolerância e até incentivo. Segundo os preponentes desta simpática corrente jurídica, um sujeito que tortura outro durante uma selvática hora está automaticamente inocente pelo simples facto de o outro ser gay. Não importa a pancada no crânio da vítima, a desfiguração do rosto, a remoção dos olhos, a amputação da genitália e demais pormenores que os media revelam com entusiasmo: importa apenas que a vítima era um homem que gostava de homens e isso, aparentemente, legitima a barbárie.

A toleima chegou a tal ponto que os testemunhos de amigos, familiares e simpatizantes do suposto assassino (com direito, juro, a missa e vigília solidárias na terra natal) não procuram negar a barbárie, mas negar que a dita seja obra de um homossexual. Psicopata, ainda vá; larilas, nem pensar: eis um esboço informal da defesa, que embora não venha a pesar no tribunal americano pesa imenso no julgamento da opinião pública e transtornada que por aí anda. O sr. Renato Seabra possui namorada. O sr. Renato Seabra troca números de telefone com meninas no lobby do hotel. O sr. Renato Seabra é, com jeitinho, a reincarnação de Casanova. Permitam-me uma impertinência: e depois?

O que aqui interessa é que, a acreditar nas notícias, o sr. Renato Seabra matou, com particular crueldade, uma pessoa, e é de pessoas que o caso trata. Ou deveria tratar. Infelizmente, os malucos à solta celebram o falecimento de um homossexual e alguns homossexuais querem castigar mediante sanções específicas a "homofobia", julgando adquirir com decretos a exacta tolerância que imaginaram instaurada na aprovação do "seu" casamento.

Ao ouvir ambos os lados, percebe-se que no famoso quarto do Hotel Intercontinental morreu, sabe Deus com que sofrimento, um gay. Custa perceber que morreu um ser humano, e esta literal desumanização, realizada com as piores ou as melhores das intenções, abre caminho a tudo, incluindo, frequentemente, ao horror e à indiferença ao horror. É da História, a grande e a minúscula
."

Alberto Gonçalves

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