segunda-feira, abril 11, 2011

Tristezas não pagam dívidas

"Inevitável" foi uma das palavras mais utilizadas nos comentários à solicitação de auxílio financeiro à União Económica. Inevitável é (já era) o processo de ajustamento que a economia portuguesa terá de fazer.

As necessidades de financiamento do País e a deterioração nas condições de financiamento determinaram o recurso aos mecanismos comunitários de assistência financeira. De acordo com sondagens divulgadas pela imprensa, a opinião pública encontra-se quase perfeitamente dividida quanto a esta decisão, mas é mais consensual nos benefícios a médio prazo que se espera resultem das medidas que venham a ser decididas. Vejamos, de forma sumária, algumas implicações.

Os mecanismos de apoio financeiro disponíveis para os Estados-membros da área do euro são essencialmente dois: o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Em ambos, os fundos para o financiamento do Estado necessitado são obtidos através da emissão de dívida em mercado. Diferem nos montantes (60 mil milhões de euros de valor efectivo e 440 mil milhões de euros de valor potencial, respectivamente) e na estruturação das garantias subjacentes (o primeiro actua sob o Orçamento da Comissão Europeia, o segundo recorre a garantias dos Estados-membros da área do euro). Estas diferenças tornam o MEEF mais versátil a muito curto prazo, razão pela qual constituiu a principal fonte de financiamento da Irlanda nos últimos meses. Nas contrapartidas os dois mecanismos são muito idênticos.

Ambos estão associados a um programa de ajustamento económico e financeiro, submetido pelo Estado que solicita o auxílio, validado pela Comissão Europeia e pelo BCE, aceite pelos parceiros europeus e sujeito a avaliação regular do respectivo grau de cumprimento. O FMI participa como entidade financiadora (cerca de 1/3) e na definição das medidas de ajustamento. No caso da Irlanda, houve também empréstimos de iniciativa individual de países europeus. Será provável que para Portugal o programa contemple, igualmente, financiamento de diversas entidades e faseado no tempo. O montante e as condições de um programa desta natureza são negociados e dependem dos pressupostos e do alcance pretendido. Por exemplo, o prazo é função da expectativa do Estado e do sector privado recuperarem capacidade de financiamento regular no mercado.

Por isso, a dispersão nos valores que têm sido apresentados (entre os 50 mil milhões de euros e os 90 mil milhões de euros). O custo acordado para a Irlanda será uma referência, com 292,5 pontos base de spread sobre a taxa de juro da emissão da dívida do MEEF em mercado, o que equivaleu a um custo final entre 5,5% e 6,2% nas duas emissões já realizadas cinco e sete anos. As medidas de ajustamento diferem consoante as dificuldades financeiras e os desequilíbrios estruturais de cada país. Para a Grécia, a consolidação das finanças públicas assumiu a primazia; na Irlanda foi a estabilização do sistema financeiro; em Portugal deverá ser a promoção dos factores estruturais de crescimento. Apesar destes enfoques preferenciais, identificam-se alguns elementos comuns.

No curto prazo, o objectivo é a atenuação do impacto do clima de forte instabilidade financeira, através do suporte a políticas de consolidação orçamental e de estabilidade do sistema financeiro. As intervenções definiram: i) um plano de médio prazo para a redução das necessidades de financiamento do sector público, que na sua natureza não deverá diferir muito dos planos orçamentais recentes mas que será mais exigente na materialização dos objectivos; e ii) a disponibilização de mecanismos de financiamento do Estado e do sector financeiro, substituindo-se temporariamente ao mercado nessa função, por forma a que as restrições de liquidez não inviabilizem um programa de ajustamento credível.

Quer na Irlanda quer na Grécia, os programas incluíram expedientes extraordinários de financiamento do sector bancário e circulam rumores relativos a novos instrumentos de financiamento de longo prazo para o sistema bancário. A mais longo prazo, pretende-se a promoção de factores de sustentabilidade, donde o enfoque no crescimento potencial e na competitividade, associadas no Pacto do Euro à produtividade e ao emprego. São medidas de definição complexa e sem sucesso assegurado, mas que são importantes, entre outros contributos, para a redução persistente da dependência do financiamento externo. Este aspecto é essencial e releva a inevitabilidade do ajustamento. Portugal acumulou um endividamento elevado e que continua a aumentar.

Mas, os credores já expressaram a sua indisponibilidade para continuar a financiar este comportamento, no aumento exponencial dos prémios de risco ou (segundo a imprensa) na fraca participação de investidores não residentes na última colocação de dívida de curto prazo. Como tal, o recurso ao mercado afigura-se crescentemente impraticável. Nestas condições, e na ausência de mecanismos comunitários de apoio, o ajustamento imposto à economia portuguesa seria muito expressivo. A relevância dessa restritividade está evidenciada nos cenários macroeconómicos do Programa de Estabilidade e Crescimento ou do Banco de Portugal. Apesar da correcção e moderação do consumo e do investimento, as necessidades de financiamento do País permanecem muito elevadas, entre 7% e 9% do PIB nos próximos anos. O esforço implícito na redução do défice comercial, porque o País exporta mais e importa menos, é absorvido pelo acréscimo dos encargos com os juros.

Mas este esforço seria insuficiente porque a disponibilidade para continuar a financiar tal desequilíbrio deixou de existir. O suporte financeiro comunitário permitirá colmatar esta restrição, mas apenas parcialmente. As medidas do programa de assistência serão inúteis se não tiverem como resultado uma redução significativa das necessidades de financiamento do País, sem a qual dificilmente Portugal regressará ao financiamento regular em mercado. De modo grosseiro, significa ter capacidade para crescer nas exportações, promover a contenção das importações ou conseguir a redução dos encargos com os juros. Este último factor esbarra na inércia da dívida acumulada, o primeiro na complexidade e exigência do respectivo sucesso. No meio, sobra o regrado na despesa. A inteligência empregue nas nossas decisões individuais de despesa, os sinais que damos ao mercado, serão fundamentais no sucesso e na mitigação dos impactos na actividade económica doméstica decorrentes do programa de ajustamento que, inevitavelmente, teremos de empreender
. " Gonçalo Pascoal

Divulgue o seu blog!