quarta-feira, maio 11, 2011

O inimigo público

"Pode o Estado incentivar as famílias a realizarem um sonho para mais tarde o transformar num pesadelo?


Não só pode, como não hesita em fazê-lo. Por iniciativa própria ou por imposição de terceiros mas sempre porque a má gestão dos recursos que subtrai à economia o obriga a compensar os erros acumulados com a solução fácil de espremer a carteira dos contribuintes.

O caso não é único mas é um dos que mais dor vai provocar nos bolsos das famílias durante os próximos anos. Estimuladas a comprar casa pela conjugação de baixas taxas de juro com isenções fiscais, a que se somou a possibilidade de deduzir no imposto sobre o rendimento uma parte dos custos suportados com a amortização do capital e o pagamentos de juros, vão agora experimentar os efeitos de uma travagem a fundo. Sem "airbag", nem cinto de segurança, naquele que ameaça ser um dos choques frontais mais difíceis de digerir na corrida à redução do défice público que o actual Governo deixa em herança.

Para quem, na última década e meia, se tornou proprietário de uma casa, o cenário não é brilhante. À situação desesperada das finanças públicas portuguesas aliou-se a aceleração do ritmo de crescimento das economias que realmente contam para definir o rumo da política monetária da Zona Euro. Resultado: as taxas de juro estão a subir e vão manter este comportamento nos tempos mais próximos. No fim de cada mês, as decisões do Banco Central Europeu já estão a produzir prestações dos empréstimos mais elevadas em Portugal, por conta dos riscos inflacionistas de que os cidadãos alemães nem querem ouvir falar, cheios de boas razões para os temer.

Mobilizar poupanças com o objectivo de amortizar antecipadamente parte do capital pedido aos bancos seria o amortecedor ideal para suavizar a escalada nos encargos com os créditos. Mas o simples bom senso indica que a estratégia não deverá estar acessível a muitas famílias, apertadas por cortes nos salários, pelo desemprego e pelas diversas vias que a mão comprida do Fisco percorre com o objectivo de cumprir a sua função de aspirar aquilo que pode, sem contemplações.

O caso não será mais fácil noutras situações. As famílias que teriam meios para cortar uma fatia ao dinheiro que devem ao banco também vão ser confrontadas com a voracidade dos cofres públicos porque a dívida pública contraída hoje são os impostos que terão de ser pagos amanhã. Sucede que o amanhã chegou, não canta, e vai exigir que o dinheiro posto de lado através de um esforço de aforro acabe por servir para ajudar a pagar empréstimos, é certo, mas aqueles com que o Estado se comprometeu.

O aumento dos impostos que recaem sobre os proprietários de casas é uma das certezas adquiridas no programa de ajustamento imposto pela troika, a que o Governo resultante das eleições de 5 de Junho não terá margem de manobra para escapar. Em nome dos incentivos ao novo desígnio do arrendamento e da mobilidade, a prioridade de ajudar o Governo a sair do buraco em que se enfiou a si próprio e ao País vai sobrepor-se à vontade das famílias de encontrarem soluções para os seus problemas. A lição é dura mas é incontornável. Um Estado mal gerido e que gasta como se não houvesse amanhã é o pior inimigo de quem o financia.
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João Cândido da Silva

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