terça-feira, julho 19, 2011

Levantar âncora!

"Mesmo que já se tenham passado uns tempos sobre a respectiva divulgação, confesso ainda não ter opinião sobre as medidas incluídas no programa do Governo. Por enquanto, continuo abismado com o idioma em que as medidas foram escritas. É verdade que houve ligeiros progressos face ao programa do Governo anterior. É também verdade que, dado o analfabetismo terminal de que esse documento padecia, isso não significa muito.

Assim por alto, temos o vocabulário encaracolado, inventado ou apenas ridículo. "Âmbito", se quisermos citar um exemplo clássico de parolice, aparece 30 vezes. "Ao nível" aparece 17 vezes. "Em termos de", 5 vezes. "Nomeadamente", 22 vezes. "De excelência", 5 vezes. "Optimizar" ou "optimização", 12 vezes. "Sustentabilidade", 34 vezes. "Implementar" ou "implementação" 34 vezes. "Contratualização", 7 vezes. "Agilizar", 9 vezes. "Reafectar", uma vez.

A seguir, temos os indispensáveis estrangeirismos: "cluster" (10 menções), "outsourcing" (2), "start-ups" (1) e I&D (10).

Nas frases, há as campeãs da redundância ("O valor incomensurável da dignidade da pessoa humana"), há conceitos herméticos ("atlas desportivo interactivo e actualizado"), há aspirações patetas ("Construir cadeias de valor de suporte ao tecido empresarial do cluster (a montante e a jusante)"), há trechos mancos ("E o Governo assume igualmente que esta dimensão de articulação entre áreas cujo inter-relacionamento é determinante o incremento da segurança estará sempre no centro das suas preocupações") e há sonhos hiperbólicos ("Eleger o ensino do português como âncora da política da diáspora").

A âncora é dispensável: a julgar pelas citações acima, já seria óptimo que, em lugar de o lançar ao fundo, alguém aprendesse português suficiente para passar nos pífios exames do liceu e, de caminho, redigir cento e tal páginas em língua de gente. Não é por nada, mas custa acreditar que sujeitos incapazes de alinhavar umas ideias conseguirão passar as ideias à prática e, como se impõe, reformar o país. Resta que a turbulência externa talvez torne o programa do Governo inconsequente e que a falta de vontade interna talvez mate o programa à nascença. Dos males, o menor.

Que saudade dos tempos em que Portugal não era a Grécia. Agora, entrámos na época em que os EUA não são a Grécia nem Portugal. Quem o diz é o próprio Obama, que terá acabado de partir muitos corações entre os seus admiradores indígenas. Mas inúmeras figuras e países menores repetem por aí o refrão: "Não somos Portugal". Num ápice, o exemplo de modernidade que doou ao mundo o Simplex e o Magalhães assumiu o estatuto de que gozavam os leprosos no passado. A culpa, claro, cabe às agências de "rating", na medida em que é menos consolador assumir a doença do que acusar os que a diagnosticam. A doença agradece
."

Alberto Gonçalves

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