sexta-feira, agosto 05, 2011

O sistema financeiro da China chega à maturidade

"A evolução do sistema financeiro chinês nos últimos anos tem sido extraordinária. Tenho observado a sua transformação como membro do conselho consultivo internacional da comissão reguladora da banca da China (CBRC, na sigla inglesa).

Em 2002, todos os grandes bancos da China estavam inundados em créditos malparados ou de alto risco de incumprimento, que, em alguns casos, totalizavam mais de 10% dos seus balanços. Nenhuma das principais entidades atingia as normas impostas por Basileia 1 para a adequação de capitais próprios dos bancos. Poucos financiadores em Londres ou em Nova Iorque conseguiam identificar o nome de qualquer banco além do Bank of China, que muitos pensavam, erradamente, ser o banco central. E sugerir que a Reserva Federal dos Estados Unidos ou a Autoridade dos Serviços Financeiros do Reino Unido podiam ter algo a aprender com as autoridades financeiras da China era algo considerado absurdo.

Menos de uma década depois, muito mudou. Os antigos problemas do malparado foram resolvidos, principalmente através do estabelecimento de empresas de gestão de activos, que assumiram os títulos duvidosos, e da injecção de novo capital nos bancos comerciais. Agora, a quantidade destes empréstimos representa pouco mais de 1% dos activos totais. Foram-se buscar parceiros estrangeiros para permitir a transferência de competências e foram vendidas participações minoritárias. As actuais capitalizações bolsistas colocam os quatro maiores bancos chineses nos dez maiores do mundo. Estão agora a expandir-se para o estrangeiro, apoiados pelos seus fortes capitais próprios.

Claro que permanecem alguns desafios. Nem mesmo a China tem uma poção mágica que possa ressuscitar um empréstimo de quem entrou na falência. E os grandes bancos da China emprestaram enormes quantias, voluntariamente ou não, aos governos locais para a realização de projectos de infra-estruturas - muitos deles de valor económico dúbio. Também há um risco sempre presente de o mercado imobiliário poder vir a colapsar, embora os bancos chineses tenham emergido em melhor forma do que os congéneres dos Estados Unidos e do Reino Unido. Uma posição que se deve ao facto de muitos investimentos especulativos terem sido financiados com dinheiro em numerário ou com um modesto recurso ao endividamento.

As autoridades de Pequim, especialmente a CBRC e o Banco Popular da China (o verdadeiro banco central), têm um bom registo na gestão de bolhas e de colapsos em estado primário. E, desta vez, não apostaria contra o seu sucesso. Elas têm uma flexibilidade considerável, devido a uma variedade de ferramentas políticas. Instrumentos que incluem exigências em matéria de capital variável e de reservas e também controlo directo sobre as condições dos empréstimos hipotecários. Aliás, as autoridades têm limitado o crescimento do crédito durante vários meses, o que teve efeitos positivos.

Seria lisonjeiro pensar que a reviravolta do sistema financeiro na China se deveu aos sábios avisos dos conselheiros estrangeiros. As influências externas até foram úteis de várias formas - os estímulos de Basileia 1 e 2 deram força àqueles que estavam determinados a pôr em ordem o sistema bancário. Mas, agora, os chineses, com razão, tratam os avisos vindos da City de Londres e de Wall Street com algum cepticismo.

Por exemplo, as recentes críticas do secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, aos reguladores da Ásia foi vista por toda a região com desprezo, para não dizer com incredulidade. Um pouco mais de humildade teria sido bem-vinda, dado o desempenho dos reguladores dos EUA na caminhada para a crise. Quem tem um telhado de vidro não deve atirar pedras ao do vizinho.

O desenvolvimento mais interessante é que, agora, podemos ver uma crescente convergência nas filosofias de regulação e no conjunto de ferramentas utilizadas por Pequim, Londres e Nova Iorque. Até à recente quase implosão do capitalismo ocidental, as autoridades do Atlântico Norte pensavam que o fim da História das Finanças tinha sido alcançado. As condições financeiras podiam ser controladas com uma ferramenta - a taxa de juro a curto prazo -, implementada exclusivamente na busca de um objectivo, implícito ou explícito, de influenciar a inflação nos preços no consumidor.

Os rácios relativos aos fundos próprios dos bancos eram definidos a nível global e, uma vez estabelecidos, permaneciam fixos. Tudo o resto era definido pelo mercado. Os bancos tinham os seus próprios incentivos para cederem créditos com prudência, e o controlo sobre os empréstimos iria, necessariamente, mostrar-se ineficaz. Pelo contrário, na China, todos os aspectos dos negócios financeiros eram fiscalizados directamente. Na realidade, a maioria dos bancos estava sob a influência do banco central.

Actualmente, as autoridades de Pequim já percebem as vantagens de uma abordagem sem tanta intervenção e de instituições que se centrem no segmento comercial. Mas não abandonaram o uso de exigências de capital variável e de reservas, rácios que analisam a relação entre empréstimos e depósitos, limites mínimos para os depósitos, limites máximos para o endividamento, como formas de controlar o crédito hipotecário.

Enquanto isso, nos mercados de capital desenvolvidos, estamos entretidos a reinventar estes "instrumentos macro-prudenciais", para usar o termo agora na moda em Basileia. Agora, é possível ver a utilidade de um pacote de medidas mais flexível para responder a uma excessiva expansão do crédito ou a bolhas nos preços dos activos, já que a manipulação das taxas de juro a curto prazo pode ser um instrumento cego, ou pior, uma faca de dois gumes. Uma subida da taxa de juro pode desacelerar o mercado imobiliário, mas também vai abrandar o resto da economia.

As filosofias de regulação também estão a convergir. A famosa declaração da antiga primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, de que "não se pode resistir ao mercado" fazia parte de uma mentalidade da zona de influência inglesa antes da crise. E o anterior presidente da Reserva Federal norte-americana, Alan Greenspan, resistiu a quaisquer tentativas para controlar os espíritos animais dos criadores de riqueza em Wall Street.

Os chineses eram menos ideológicos. Não tinham nenhum remorso em chamar uma bolha a uma bolha, e em intervir para a controlar. Nos dias de hoje, apenas Sarah Palin faz reverência às perspectivas de Thatcher em todos os aspectos, e Greenspan foi eliminado da história financeira, bem ao estilo chinês.

Quando o G-7 se transformou em G-20, no início de 2009, muitos estavam preocupados, como é compreensível, com um conjunto tão diverso de participantes, vindos de tão distintas tradições. Seria algo que tornaria difícil alcançar um entendimento em matérias de regulação no Comité de Basileia e em todos os locais. Tais preocupações acabaram por revelar-se exageradas. Os elementos para um consenso alargado sobre qual o futuro papel da regulação financeira está em cima da mesa, desde que os norte-americanos, como Geithner, possam resistir ao seu constante desejo de dizer ao resto do mundo para fazerem o que eles dizem e não o que fazem
. "

Howard Davies

Divulgue o seu blog!