segunda-feira, novembro 14, 2011

A guerra civil entre o Governo e a banca

"Quem lê o diário da colisão entre o Governo e a banca pensará que anda muita gente alucinada a dar gritos de cabeça perdida. Há uma boa razão para pensar isso: anda muita gente alucinada a dar gritos de cabeça perdida. O confronto está a ser colocado de forma errada, como uma guerra civil – e querem vestir-nos o uniforme de uns ou o dos outros.

É uma ilusão crer que estamos ou contra o Governo ou contra a banca. Essa bipolaridade é manipulada e manipuladora, perante uma tensão social que se enche como gás propano num edifício – se raspamos em fósforo, explodimos; se fechamos as janelas, asfixiamos. Se os políticos insistirem em usar a banca como diversão para a contestação social, acabarão trancados num quarto escuro. Pode haver vitrinas partidas mas é a escadaria da Assembleia da República que a revolta subirá.

Quem está a bipolarizar o debate são, precisamente, os políticos e os banqueiros. Preocupados com sondagens ou com cotações, estão a fazer tudo mal. O Governo preparou uma lei invasora, dando meia dúzia de horas aos bancos para comentar, o que é pior que ignorar porque é provocador; os bancos fizeram queixinhas à Comissão Europeia, numa carta em tom bárbaro. Este confronto dinamitou pontes de entendimento, deixando o Banco de Portugal no meio e a troika à distância. Isto pode correr mal. Não é a eles, é a nós.

Correr mal é nacionalizar à bruta, incluindo fundos de pensões, e tudo justificar como se se fizesse justiça. A economia não é lugar para ajustes de contas de poder. Aceitar o projecto do Governo de nacionalização da banca apenas porque “eles merecem” é não só moralista e justiceiro como sobretudo errado. É um processo de destruição, não de regeneração.

Nos últimos anos a banca capturou a política. Essa captura foi feita inclusive com a incorporação de políticos, como se viu na Caixa e no BCP, os dois maiores bancos portugueses. Mas também o BES e o BPI passaram a ter discurso político no último Governo, o primeiro apoiando, o segundo opondo-se. Mas todos, no fundo, disputando. Agora, a banca perdeu o poder, desviado pela “troika” para as mãos dos políticos. Essa requalificação tem de servir para tudo menos para uma vingança. Se no passado a banca capturou a política, o erro histórico acontecerá quando os políticos (e não a política) capturarem a banca.

Esta coluna de editorial foi a primeira onde se defendeu a necessidade de aumentar capitais que levaria ao recurso do dinheiro do Estado. As razões foram muitas vezes explicadas. A capitalização do Estado é, ademais, inevitável. Ela foi precipitada pelas dívidas soberanas mas acontecerá também por outras razões, que conheceremos nas próximas seis semanas: a transferência dos fundos de pensões vai descobrir insuficiências (como o Negócios aqui explicou na sexta, os bancos terão de injectar em entre quase mil e mais de dois mil milhões de euros nos seus fundos); a reavaliação pela troika das carteiras de crédito tornará visíveis casos mais ou menos famosos de financiamentos perdidos (o que a banca está a antecipar com largos volumes de provisões); o cálculo, também pela troika, do valor futuro dos activos revelará o “spread squeeze” dos créditos à habitação (a inviabilidade de emprestar a 30 anos com margens inferiores a 1%). Tudo isto vai exigir capital. Muito capital.

A guerra hoje já não é se o Estado entra, mas sim como entra. O que foi dito pelo primeiro-ministro e pelo governador do Banco de Portugal não foi cumprido na proposta de lei do Governo. Carlos Costa propusera que a entrada fosse por acções preferenciais sem direito de voto, o que não se confirma; Passos Coelho falara do Estado como um parceiro silencioso, com suspensão de prémios de gestão e de dividendos, o que também não se confirma.

A proposta do Governo deixa demasiadas coisas em aberto, como a definição do preço de entrada e preço de saída, e deixa muitos poderes discricionários para mais tarde. Tem aspectos positivos, como forçar mais percentagem de crédito às PME (o que vai obrigar que as grandes empresas, que têm mais poder de lóbi, não sejam sempre as preferidas). E devia cancelar os dividendos, mesmo que isso cause a ruína de vários accionistas privados. Mas, como diz a banca, o Estado passa, ao fim de três anos, a poder de facto nacionalizar. É esse o erro histórico. Que Passos Coelho prometera não fazer.

A proposta de lei vai mudar, como se percebe pelas últimas notícias. Se banqueiros e políticos pensam arregimentar a opinião pública, podem desenganar-se: ela está e vai estar contra ambos. Por isso, ambos vão ter de embainhar as espadas e retirar as canetas para iniciar um processo de cooperação. Dependem demasiado uns dos outros para matarem sem morrer. Afinal, quando anda muita gente alucinada a dar gritos de cabeça perdida, só há uma maneira de ser ouvido: falar baixinho
."

Pedro Santos Guerreiro

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