Pessimismo ecrupuloso
"Durante demasiados anos, Portugal sofreu do "optimismo sem escrúpulos" de que falava Schopenhauer, uma praga para cúmulo estimulada e difundida por indivíduos que nem sabem quem é Schopenhauer. Quanto mais nos afundávamos, mais os governantes, fundamentados em aldrabices ou na completa loucura, nos garantiam um luminoso futuro. E o povo, um povo historicamente orgulhoso da capacidade de suspeitar e historicamente crédulo, preferiu a ilusão à realidade e legitimou vezes sem conta a fraude.
Hoje, junto com as ilusões, o tempo do optimismo passou. Salvo raras cedências à retórica da "confiança", um tolerável resíduo do passado, os senhores que nos dirigem empenham-se em avisar das dificuldades que aí vêm e, ocasionalmente, em criar dificuldades adicionais. O esforço de sinceridade é louvável, mas talvez comece a precisar de moderação. Sobretudo quando o secretário de Estado da Juventude aconselha os jovens desempregados (ou, nas suas palavras, acomodados à "zona de conforto") a saírem do país.
Sendo certo que o cargo ocupado por Alexandre Mestre é de uma inutilidade encantadora, e que os jovens crentes em que serão salvos pela "sua" tutela merecem todos os dissabores materiais que lhes aconteçam, também é certo que o dr. Mestre é pago para fingir trabalho, não para retirar aos cidadãos a esperança de obterem um. Por outras palavras, a rejeição das patranhas dos últimos anos implica sensatez, não implica uma devastadora franqueza. Caso contrário, depressa teremos a ministra da Agricultura a invectivar os rurais que restam à fuga dos campos, o ministro das Finanças a sugerir uma corrida aos bancos, o ministro da Economia a rir histericamente sempre que lhe falam do "tecido produtivo" e o primeiro-ministro, via Facebook, a recomendar à população que não vale a pena levantar-se da cama.
Claro que nada disto seria absurdo ou mentira. O problema é que, se aplicada sem cautela, a verdade mata. Principalmente os que já estão moribundos por falta continuada dela."
ALBERTO GONÇALVES
Hoje, junto com as ilusões, o tempo do optimismo passou. Salvo raras cedências à retórica da "confiança", um tolerável resíduo do passado, os senhores que nos dirigem empenham-se em avisar das dificuldades que aí vêm e, ocasionalmente, em criar dificuldades adicionais. O esforço de sinceridade é louvável, mas talvez comece a precisar de moderação. Sobretudo quando o secretário de Estado da Juventude aconselha os jovens desempregados (ou, nas suas palavras, acomodados à "zona de conforto") a saírem do país.
Sendo certo que o cargo ocupado por Alexandre Mestre é de uma inutilidade encantadora, e que os jovens crentes em que serão salvos pela "sua" tutela merecem todos os dissabores materiais que lhes aconteçam, também é certo que o dr. Mestre é pago para fingir trabalho, não para retirar aos cidadãos a esperança de obterem um. Por outras palavras, a rejeição das patranhas dos últimos anos implica sensatez, não implica uma devastadora franqueza. Caso contrário, depressa teremos a ministra da Agricultura a invectivar os rurais que restam à fuga dos campos, o ministro das Finanças a sugerir uma corrida aos bancos, o ministro da Economia a rir histericamente sempre que lhe falam do "tecido produtivo" e o primeiro-ministro, via Facebook, a recomendar à população que não vale a pena levantar-se da cama.
Claro que nada disto seria absurdo ou mentira. O problema é que, se aplicada sem cautela, a verdade mata. Principalmente os que já estão moribundos por falta continuada dela."
ALBERTO GONÇALVES
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