Fernando Pessoa e o músculo financeiro
"Vamos privatizar empresas para as vendermos ao Estado de outros países. Teria graça se não fosse trágico. Mas pode ser que esta lição, definitiva, abra um pouco os olhos e exercite os neurónios a quem diz ser a elite portuguesa.
Fernando Pessoa era um grande poeta, mas era também um homem encantado com as questões da economia. Para ele, defensor do patriotismo activo, o nacionalismo não tinha a ver apenas com a fixação nas tradições nacionais. Para ele, o que era verdadeiramente importante era "nacionalizar todos os fenómenos importados". Ou seja, para ele, "a vitalidade de uma nação - a verdadeira e real vitalidade - mede-se pela facilidade, prontidão e eficácia com que se nacionaliza o importado". Estas palavras têm tudo a ver com um momento crítico, este, da existência de Portugal. Estamos a poucos dias do Estado alienar um dos seus últimos anéis: a EDP. Terminado este ciclo de privatizações, o Estado ficará com as suas gorduras mas deixará de ter bens apetitosos. É o fim de um ciclo.
Mas este fechar de portas a uma época tem a ver com duas incapacidades estruturais do País: acumular capital e investi-lo produtivamente. O problema não é de agora. É de há séculos, incentivado por uma Coroa que dominou a iniciativa económica e por uma República que lhe seguiu os passos. À sua sombra nasceram os homens e as empresas que viviam de rendas. O sistema político foi mesmo construído para existir com base no clientelismo e da dependência da sociedade civil face ao Estado. Com a expansão das actividades deste os recursos para a criação de rendas e clientes aumentou. Com isso nem criámos verdadeiros núcleos económicos potentes nem nacionalizámos as boas ideias que vinham do estrangeiro. O Estado é culpado, mas como dizia Filipe de Botton há dias numa lúcida entrevista ao "i", "O maior problema em Portugal é a classe empresarial. Somos pouco formados e pouco cosmopolitas". É uma frase mortal, mas que nos ajuda a compreender porque é que, para a privatização da EDP, só surgem empresas estrangeiras. Em Portugal não há músculo financeiro. Nem do Estado nem dos ditos "núcleos duros" da economia.
Não deixa de ser curioso que, dentro do nosso diletantismo liberal, coloquemos à venda uma empresa e sejam maioritariamente empresas estatais estrangeiras que se colocam à frente para comprar a EDP (a própria E.ON tem um aconchego generoso da Alemanha). Só prova que importámos o liberalismo económico como referência mas não o conseguimos nacionalizar a nosso favor. Vamos privatizar empresas para as vendermos ao Estado de outros países. Teria graça se não fosse trágico. Mas pode ser que esta lição, definitiva, abra um pouco os olhos e exercite os neurónios a quem diz ser a elite portuguesa. E que, na prática, tem demonstrado inúmeras dificuldades em demonstrá-lo.
Terminou, indiscutivelmente, o grande ciclo das rendas. Vão perdurar, como por exemplo nas auto-estradas (o Estado prendeu-se de mãos e pés a contratos leoninos que só defendem quem obtém as rendas, mas parece que nunca se descobrirão os culpados dessa sangria dos impostos dos portugueses). Mas é altura de a sociedade civil mais clarividente olhar à volta e pensar qual será a melhor estratégia, com um Estado cada vez menor, criar núcleos de riqueza e investimento nacionais para o futuro. Os accionistas estrangeiros vão trazer o capital para tapar o buraco das nossas contas públicas. Mas depois vão retirar os dividendos do que EDP e Galp andaram a construir pelo mundo. Fernando Pessoa dizia que, "só existem nações; não existe humanidade". E esse sentimento atento pode servir de alavanca para uma outra forma de olhar para a política e para a economia nacional. Sem pensar só nas rendas e no lucro imediato."
Fernando Sobral
Fernando Pessoa era um grande poeta, mas era também um homem encantado com as questões da economia. Para ele, defensor do patriotismo activo, o nacionalismo não tinha a ver apenas com a fixação nas tradições nacionais. Para ele, o que era verdadeiramente importante era "nacionalizar todos os fenómenos importados". Ou seja, para ele, "a vitalidade de uma nação - a verdadeira e real vitalidade - mede-se pela facilidade, prontidão e eficácia com que se nacionaliza o importado". Estas palavras têm tudo a ver com um momento crítico, este, da existência de Portugal. Estamos a poucos dias do Estado alienar um dos seus últimos anéis: a EDP. Terminado este ciclo de privatizações, o Estado ficará com as suas gorduras mas deixará de ter bens apetitosos. É o fim de um ciclo.
Mas este fechar de portas a uma época tem a ver com duas incapacidades estruturais do País: acumular capital e investi-lo produtivamente. O problema não é de agora. É de há séculos, incentivado por uma Coroa que dominou a iniciativa económica e por uma República que lhe seguiu os passos. À sua sombra nasceram os homens e as empresas que viviam de rendas. O sistema político foi mesmo construído para existir com base no clientelismo e da dependência da sociedade civil face ao Estado. Com a expansão das actividades deste os recursos para a criação de rendas e clientes aumentou. Com isso nem criámos verdadeiros núcleos económicos potentes nem nacionalizámos as boas ideias que vinham do estrangeiro. O Estado é culpado, mas como dizia Filipe de Botton há dias numa lúcida entrevista ao "i", "O maior problema em Portugal é a classe empresarial. Somos pouco formados e pouco cosmopolitas". É uma frase mortal, mas que nos ajuda a compreender porque é que, para a privatização da EDP, só surgem empresas estrangeiras. Em Portugal não há músculo financeiro. Nem do Estado nem dos ditos "núcleos duros" da economia.
Não deixa de ser curioso que, dentro do nosso diletantismo liberal, coloquemos à venda uma empresa e sejam maioritariamente empresas estatais estrangeiras que se colocam à frente para comprar a EDP (a própria E.ON tem um aconchego generoso da Alemanha). Só prova que importámos o liberalismo económico como referência mas não o conseguimos nacionalizar a nosso favor. Vamos privatizar empresas para as vendermos ao Estado de outros países. Teria graça se não fosse trágico. Mas pode ser que esta lição, definitiva, abra um pouco os olhos e exercite os neurónios a quem diz ser a elite portuguesa. E que, na prática, tem demonstrado inúmeras dificuldades em demonstrá-lo.
Terminou, indiscutivelmente, o grande ciclo das rendas. Vão perdurar, como por exemplo nas auto-estradas (o Estado prendeu-se de mãos e pés a contratos leoninos que só defendem quem obtém as rendas, mas parece que nunca se descobrirão os culpados dessa sangria dos impostos dos portugueses). Mas é altura de a sociedade civil mais clarividente olhar à volta e pensar qual será a melhor estratégia, com um Estado cada vez menor, criar núcleos de riqueza e investimento nacionais para o futuro. Os accionistas estrangeiros vão trazer o capital para tapar o buraco das nossas contas públicas. Mas depois vão retirar os dividendos do que EDP e Galp andaram a construir pelo mundo. Fernando Pessoa dizia que, "só existem nações; não existe humanidade". E esse sentimento atento pode servir de alavanca para uma outra forma de olhar para a política e para a economia nacional. Sem pensar só nas rendas e no lucro imediato."
Fernando Sobral
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