O poder dos (ditos) mercados
"O destino da Europa do euro está entregue ao poder do sistema financeiro que os políticos não conseguem ou não querem enfrentar. O que se está a passar com Portugal é o mais recente exemplo, não da irracionalidade dos mercados, mas sim do poder que têm para vergar os países à sua vontade. Isto não é mercado.
Comecemos pelo que se está a passar com as taxas de juro portuguesas. Sem qualquer razão, Portugal voltou para a ribalta, com uma nova onda de investidores a fugirem dos títulos portugueses de dívida pública e assim elevando as taxas de juro para valores irracionalmente elevados.
Esta fuga é acompanhada por declarações de analistas e estudos que dizem o que já se sabia – há uma elevada probabilidade de Portugal precisar de reforçar o empréstimo internacional de 78 mil milhões de euros. E dizendo o que já se sabia, deveriam, os analistas, dar igual importância à solução que também já se conhecia: depois dos erros cometidos com a Grécia os países da Zona Euro decidiram que se fosse necessário quer a Irlanda como Portugal contariam com um novo empréstimo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e do FMI. Ou seja, há algum tempo que se sabe que, se Portugal não se conseguir financiar nos mercados em 2013, o apoio vai manter-se. Esta mesma declaração foi feita na Cimeira Europeia de segunda-feira à noite.
Nada mudou no quadro português que justifique esta fuga dos investidores. Pelo contrário. A reacção à descida do "rating" por parte da Standard & Poor’s foi mínima. E o tesouro português conseguiu a 18 de Janeiro um empréstimo a 11 meses nos ditos mercados, coisa que não acontecia desde 6 de Abril de 2011 – o dia em que o governo de Sócrates decidiu pedir ajuda – e obteve-o a uma taxa mais baixa do que nessa altura. Foi aliás este acontecimento, dias depois da decisão da S&P, que levou o ministro das Finanças a dizer que foi um sinal de que "poderemos estar a aproximar-nos de um ponto de viragem positivo". Disse-o no dia seguinte à emissão e perante representantes da troika – FMI, BCE e Comissão Europeia.
Se Portugal está manifestamente a respeitar o acordo assinado com a troika, se na avaliação dos investidores feita pela taxa de juro está com melhores perspectivas do que em Abril do ano passado, se mesmo a decisão da S&P poucos efeitos teve, então o que mudou na última semana e meia?
Quando procuramos os pontos de pressão destes últimos dias, o que encontramos é a negociação da reestruturação da dívida grega. Há cerca de uma semana, as instituições financeiras começaram a fazer um braço-de-ferro para que os bancos centrais assumissem também perdas com a dívida grega e ameaçaram não chegar a acordo com o governo grego. É exactamente nesta altura que se inicia a pressão sobre Portugal.
A interpretação benévola da coincidência entre a negociação grega e a pressão sobre a dívida portuguesa é o medo que Portugal seja o próximo a ter de reestruturar a sua dívida, em linha com o processo de ajuda.
Mas há também uma possível leitura menos simpática: as instituições financeiras podem perfeitamente estar a usar Portugal como arma para conseguirem melhores condições na renegociação da dívida grega.
Todos sabemos que o mundo ocidental anda muito pouco racional. Mas uma reestruturação da dívida portuguesa diria aos investidores que essa passava a ser regra e não a excepção para a Grécia. A seguir cairia a Irlanda, e a Espanha, e a Itália, e a Bélgica. E esta não é uma queda como a da ajuda externa, será o fim do euro. E é para aí que caminharemos se os países do euro não mostrarem, como o fizeram nos anos 90, que a soberania ainda é dos Estados e não das instituições financeiras."
Helena Garrido
Comecemos pelo que se está a passar com as taxas de juro portuguesas. Sem qualquer razão, Portugal voltou para a ribalta, com uma nova onda de investidores a fugirem dos títulos portugueses de dívida pública e assim elevando as taxas de juro para valores irracionalmente elevados.
Esta fuga é acompanhada por declarações de analistas e estudos que dizem o que já se sabia – há uma elevada probabilidade de Portugal precisar de reforçar o empréstimo internacional de 78 mil milhões de euros. E dizendo o que já se sabia, deveriam, os analistas, dar igual importância à solução que também já se conhecia: depois dos erros cometidos com a Grécia os países da Zona Euro decidiram que se fosse necessário quer a Irlanda como Portugal contariam com um novo empréstimo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e do FMI. Ou seja, há algum tempo que se sabe que, se Portugal não se conseguir financiar nos mercados em 2013, o apoio vai manter-se. Esta mesma declaração foi feita na Cimeira Europeia de segunda-feira à noite.
Nada mudou no quadro português que justifique esta fuga dos investidores. Pelo contrário. A reacção à descida do "rating" por parte da Standard & Poor’s foi mínima. E o tesouro português conseguiu a 18 de Janeiro um empréstimo a 11 meses nos ditos mercados, coisa que não acontecia desde 6 de Abril de 2011 – o dia em que o governo de Sócrates decidiu pedir ajuda – e obteve-o a uma taxa mais baixa do que nessa altura. Foi aliás este acontecimento, dias depois da decisão da S&P, que levou o ministro das Finanças a dizer que foi um sinal de que "poderemos estar a aproximar-nos de um ponto de viragem positivo". Disse-o no dia seguinte à emissão e perante representantes da troika – FMI, BCE e Comissão Europeia.
Se Portugal está manifestamente a respeitar o acordo assinado com a troika, se na avaliação dos investidores feita pela taxa de juro está com melhores perspectivas do que em Abril do ano passado, se mesmo a decisão da S&P poucos efeitos teve, então o que mudou na última semana e meia?
Quando procuramos os pontos de pressão destes últimos dias, o que encontramos é a negociação da reestruturação da dívida grega. Há cerca de uma semana, as instituições financeiras começaram a fazer um braço-de-ferro para que os bancos centrais assumissem também perdas com a dívida grega e ameaçaram não chegar a acordo com o governo grego. É exactamente nesta altura que se inicia a pressão sobre Portugal.
A interpretação benévola da coincidência entre a negociação grega e a pressão sobre a dívida portuguesa é o medo que Portugal seja o próximo a ter de reestruturar a sua dívida, em linha com o processo de ajuda.
Mas há também uma possível leitura menos simpática: as instituições financeiras podem perfeitamente estar a usar Portugal como arma para conseguirem melhores condições na renegociação da dívida grega.
Todos sabemos que o mundo ocidental anda muito pouco racional. Mas uma reestruturação da dívida portuguesa diria aos investidores que essa passava a ser regra e não a excepção para a Grécia. A seguir cairia a Irlanda, e a Espanha, e a Itália, e a Bélgica. E esta não é uma queda como a da ajuda externa, será o fim do euro. E é para aí que caminharemos se os países do euro não mostrarem, como o fizeram nos anos 90, que a soberania ainda é dos Estados e não das instituições financeiras."
Helena Garrido
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