sexta-feira, abril 20, 2012

Uma sabática do euro

"A esses países em crise que não querem assumir a carga de uma deflação, devia dar-se-lhes a oportunidade de abandonar temporariamente a Zona Euro, para desvalorizar os seus preços e dívidas.

Debaixo de uma forte pressão externa, os países da Zona Euro atingidos pela crise estão, finalmente, a fazer cortes dolorosos nos seus orçamentos. Os salários estão a ser cortados, e os funcionários públicos despedidos para reduzir as necessidades de financiamento a um nível tolerável.

E, no entanto, a competitividade na Grécia e em Portugal, em particular, não está a melhorar. Os últimos dados do Eurostat sobre a evolução do deflator do PIB, nos países atingidos pela crise, não mostram qualquer tendência de desvalorização real. Mas a desvalorização real, obtida mediante a redução de preços face aos competidores da Zona Euro, é a única forma de restabelecer a competitividade nesses mesmos países. A redução dos custos unitários de trabalho também pode contribuir para o aumento da competitividade, mas só na medida em que resulte numa verdadeira redução dos preços.

Afinal, nos países em crise, foi a inflação dos preços, alimentada pelo crédito barato que se seguiu à introdução do euro, que levou à perda de competitividade, aos défices em conta corrente, e à acumulação de uma enorme dívida pública. Agora que os mercados de capitais já não estão dispostos a financiar estes défices, os preços deveriam recuar, mas isso, obviamente, não está a acontecer.

Em 2010, a inflação, em alguns dos países em crise, ficou um pouco abaixo dos seus concorrentes da Zona Euro. No entanto, os últimos dados do Eurostat, relativos ao terceiro trimestre de 2011, já revelam um cenário diferente: o nível de preços em Portugal e na Grécia manteve-se praticamente inalterado durante o ano, e em Itália e Espanha chegou mesmo a subir ligeiramente (0,4% e 0,3%, respectivamente).

Só a Irlanda continuou o caminho da deflação rápida - como vem acontecendo desde que a bolha imobiliária rebentou, em 2006 - com uma diminuição relativa de preços de 2,2%. No total, ao longo dos últimos cinco anos, a Irlanda tornou-se 15% mais barata que os seus concorrentes da Zona Euro.

Esta desvalorização interna tem dado resultado: enquanto a Irlanda ainda tinha um défice em conta corrente de 5,6% do PIB, em 2008, a Comissão Europeia espera que o resultado em 2011 tenha sido um superávit de 0,7% do PIB. É verdade que isto se deve, em grande parte, à simples redução do serviço da dívida, já que a Irlanda foi capaz de pagar as suas obrigações externas através da emissão de moeda, pela qual paga um juro de apenas 1%. Contudo, o grande superávit comercial da Irlanda aumentou ainda mais.

A Irlanda deve grande parte desta reviravolta à eficiência do seu sector exportador, cujos defensores foram capazes de impor uma volta política de 180 graus. A Grécia, por outro lado, está sob a influência de um poderoso lóbi importador. Como disse o ministro da Economia grego, Michalis Chrysochoidis, isso é atribuível aos subsídios da União Europeia, que levaram os empresários a seguir o dinheiro fácil do sector da importação.

Agora, estes importadores formam um poderoso baluarte contra qualquer política deflacionista, apesar de a redução de preços - e, portanto, o redireccionamento da procura grega dos produtos estrangeiros para os domésticos, e o fomento do turismo - ser a única forma de pôr a economia grega de pé. Uma vez que, na Grécia, o défice da conta corrente em percentagem do PIB era três vezes maior do que na Irlanda, os preços na Grécia teriam de cair para metade, para atingir o mesmo sucesso. É inconcebível que a Grécia pudesse fazê-lo dentro da Zona Euro sem provocar uma agitação social generalizada, se não mesmo condições próximas a uma guerra civil.

Mas não são só os importadores que estão a impedir uma desvalorização real. Também os sindicatos estão a resistir às necessárias reduções salariais, e os devedores públicos e privados temem a perspectiva de insolvência, se os seus activos e receitas forem avaliados a um nível inferior, enquanto as suas dívidas permanecem inalteradas. A situação é intratável.

Muitos consideram que o alívio da dívida e a socialização das dívidas são a única saída. Esta ajuda já foi dada. Através do recente acordo, a Grécia obteve um alívio de 237 mil milhões de euros (316 mil milhões de dólares), cerca de 30% mais que a receita líquida da Grécia, de aproximadamente 180 mil milhões de euros. Mas esta ajuda só reafirma os preços errados - e, portanto, a falta de competitividade da economia. As dívidas vão ressurgir como um tumor, crescendo ano após ano, ao mesmo tempo que vão minando a credibilidade dos países estáveis da Zona Euro.

Se isso acontecesse, o euro acabaria por entrar em colapso. Apenas uma redução de preços criaria superávit em conta corrente e permitiria que os países em crise pagassem as suas dívidas externas. Já é hora de a Europa aceitar esta verdade sem remorsos.

A esses países em crise que não querem assumir a carga de uma deflação, devia dar-se-lhes a oportunidade de abandonar temporariamente a Zona Euro, para desvalorizar os seus preços e dívidas. Por outras palavras, deviam tirar uma espécie de licença sabática do euro - uma proposta que também já foi defendida pelo economista norte-americano Kenneth Rogoff.

Depois que a tempestade financeira acalmasse, o sol voltaria a surgir rapidamente. Os países credores contabilizariam grandes perdas por dívidas incobráveis, mas mesmo assim, o resultado final seria melhor do que se os países em crise permanecessem na Zona Euro, porque a nova prosperidade desses países, conquistada pelo abandono do euro, representa a única oportunidade de recuperar alguns activos que sejam."

Hans Werner Sinn

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