sexta-feira, junho 08, 2012

Sobrecarregados com o peso da dívida

"Quase quatro anos depois do início da crise financeira mundial, muitos se questionam sobre o porquê de a retoma económica estar a demorar tanto tempo. Com efeito, a sua lentidão tem confundido até os especialistas na matéria. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deveria ter crescido 4,4% em 2011 e deverá crescer 4,5% em 2012. Mas, na realidade, os mais recentes dados do Banco Mundial indicam que o crescimento apenas atingiu os 2,7% no ano passado e que desacelerará este ano para 2,5% - um número que ainda poderá muito bem ter de ser revisto em baixa.


Há duas razões possíveis para esta discrepância entre as previsões e os resultados. Ou os danos provocados pela crise financeira foram mais graves do que pensávamos, ou o tratamento económico prescrito foi menos eficaz do que aquilo que os decisores políticos julgaram.

Com efeito, rapidamente se compreendeu a gravidade da crise bancária. Em 2008-9 foram implementados vastos pacotes de estímulo, impulsionados pelos Estados Unidos e pela China, em coordenação com o Reino Unido e com o apoio relutante da Alemanha. As taxas de juro foram cortadas, os bancos insolventes foram resgatados, foi dada luz verde à emissão de mais moeda, os impostos foram reduzidos e os gastos públicos foram aumentados. Alguns países desvalorizaram as suas moedas.

Consequentemente, o colapso foi travado e a retoma foi mais rápida do que o previsto. Mas as medidas de estímulo transformaram uma crise bancária numa crise orçamental e numa crise da dívida soberana. A partir de 2010, os governos começaram a subir os impostos e a reduzir a despesa, em resposta aos crescentes receios de incumprimentos soberanos. Nessa altura, o movimento de retoma inverteu.

Conforme dizem Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff no seu magistral livro intitulado "This Time is Different", não há uma maneira segura de anular uma profunda crise bancária. A crise tem origem na "excessiva acumulação de dívida", o que torna as economias "vulneráveis a crises de confiança". Os bancos comerciais têm de ser resgatados pelos governos; em seguida, os governos têm de ser resgatados pelos bancos comerciais. Por fim, ambos têm de ser resgatados pelos bancos centrais.

Tudo isto, segundo Reinhart e Rogoff, implica uma "contracção prolongada e pronunciada da actividade económica". Os dois autores estimam que a duração média das crises do pós-guerra foi de 4,4 anos – o tempo que demora a a produzir-se a necessária desalavancagem – período após o qual a crise de confiança termina e o crescimento económico regressa.

No entanto, há um elemento em falta nesta história. A retoma da Grande Depressão demorou cerca de 10 anos, mais do dobro da média de recuperação das crises do pós-guerra. Reinhart e Rogoff apresentam duas razões para esta diferença no ritmo da retoma: a lenta resposta à Grande Depressão em matéria de medidas políticas e o padrão-ouro, o que significava que os diferentes países não podiam sair da depressão através das exportações. Por outras palavras, a política orçamental e o regime de política monetária tiveram uma influência decisiva na profundidade do colapso e também na duração do período decorrido antes de a economia começar a recuperar.

É também importante salientar que nos anos 70 voltaram a ocorrer grandes colapsos financeiros, depois de estes terem sido praticamente inexistentes nas décadas de 50 e de 60, quando estavam em funcionamento o sistema Keynesiano das economias dirigidas e o sistema de taxas de câmbio dirigidas de Bretton Woods. As principais crises do pós-guerra analisadas por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff ocorreram entre 1977 e 2001. E ocorreram porque a regulação da banca e os controlos sobre os movimentos de capitais foram levantados; essas crises foram mais breves do que nos anos 30 porque as respostas políticas não foram patéticas.

O presidente indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono, salientou recentemente este ponto, ao dizer ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, que o bem sucedido plano de recuperação da Indonésia após o colapso de 1998 tinha sido inspirado em John Maynard Keynes. "Temos de assegurar que a população consegue comprar; temos de assegurar que as indústrias conseguem produzir…", disse.

Actualmente, muitos governos, especialmente na Zona Euro, parecem ter ficado sem opções políticas. Com a austeridade orçamental a fazer furor, desistiram de assegurar que "as pessoas conseguem comprar" e que "as indústrias conseguem produzir". Os bancos centrais ficaram incumbidos de manter as economias à tona, mas a maior parte do dinheiro que imprimem fica "encalhado" no sistema bancário, incapaz de travar a estagnação do consumo e a diminuição dos investimentos.

Além disso, a própria Zona Euro é um mini padrão-ouro, com Estados-membros altamente endividados, sem poderem desvalorizar as suas moedas porque não têm moedas para desvalorizar. Assim, atendendo a que também o crescimento da China está a abrandar, a economia mundial parece destinada a arrastar-se no fundo durante mais algum tempo, com o desemprego a subir nalguns países para 20% ou mais.

Perante a impossibilidade de se fazer uso de políticas orçamentais, monetárias e cambiais, haverá alguma maneira de sair desta recessão prolongada? John Geanakoplos, da Universidade de Yale, tem defendido a via das vastas amortizações da dívida. Em vez de esperarem para se verem livres das dívidas através de falências, os governos deveriam "exigir o perdão da dívida". Eles poderiam comprar crédito malparado às entidades de concessão de crédito e perdoar parte do capital a pagar pelos tomadores de empréstimos, o que reduziria simultaneamente as exigências de garantias de uns e o sobreendividamento de outros. Nos Estados Unidos, o TALF - Term Asset-Backed Securities Loan Facility [um programa que concedeu milhares de milhões de dólares em crédito a pequenas empresas, estudantes e detentores de cartões de crédito] e o PPIP - Public-Private Investment Program [programa de investimento público-privado, visando estimular a compra de activos tóxicos dos bancos] foram, na prática, planos de perdão de dívida destinados aos titulares de hipotecas "subprime" [empréstimos à habitação de alto risco devido à fraca capacidade creditícia dos clientes], mas a uma escala demasiado pequena.

Mas o princípio do perdão da dívida tem também claras aplicações na dívida pública, especialmente na Zona Euro. Aqueles que receiam uma excessiva dívida pública são os bancos que a detêm. Para os bancos, as obrigações soberanas que estão em território de "lixo" não são mais seguras do que a dívida privada que também está na categoria de "junk". Tanto as entidades de crédito como os tomadores de empréstimos ficariam melhor com uma anulação global da dívida. O mesmo sucederia com os cidadãos cujos meios de subsistência estão a ser destruídos pelas tentativas desesperadas dos governos no sentido do desendividamento.

Filosoficamente, a abordagem do perdão da dívida baseia-se na convicção de que os credores partilham com os devedores a responsabilidade pelo incumprimento, uma vez que foram os credores que concederam esses empréstimos. Desde que o devedor não tenha enganado a entidade credora aquando da obtenção do empréstimo, o credor tem pelo menos alguma responsabilidade nessa transacção.

Em 1918, Keynes aconselhou vivamente a anulação das dívidas entre os aliados, resultantes da Primeira Guerra Mundial. "Nunca poderemos voltar a mexer-nos, a menos que nos libertemos destas grilhetas de papel", escreveu. E em 1923 o seu apelo converteu-se numa advertência a que os políticos de hoje deveriam prestar atenção: "Os absolutistas do contrato (…) são os verdadeiros pais da revolução"."

Robert Skidelsky

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