sábado, setembro 22, 2012

Por que é que os governos paralisaram?

"Não é segredo que a economia global está em dificuldades. A Europa está no meio de uma crise cuja raiz é uma união monetária e económica estruturalmente falhada. Os Estados Unidos, a emergir de uma crise financeira e de uma desalavancagem generalizada, estão a registar um abrandamento no crescimento, um problema persistente de emprego, uma mudança adversa na distribuição de rendimentos e desafios estruturais, sem que haja uma acção política decisiva ou com uma relevante eficácia. Ao mesmo tempo, entre as principais economias emergentes, o processo de reforma na China está parado, à espera de uma transição de liderança, neste Outono, que venha clarificar os objectivos dos vários interesses internos e as relações de poder. A Índia, que perdeu o seu momento de reforma, está a viver um abrandamento económico e uma potencial perda de confiança dos investidores.

Os efeitos negativos destes problemas estão agora a interagir, alimentando-se entre si e disseminando-se para o resto da economia global. E, mesmo assim, apesar de uma sensação palpável de um receio de que algo está muito errado, o prognóstico para uma mudança significativa é frouxo – e está a deteriorar-se. O que explica a aparente ausência de uma acção política eficaz num enorme conjunto de países e regiões? Uma linha de pensamento culpa o "vácuo de liderança" – um diagnóstico comum na Europa. Noutros locais – especialmente nos Estados Unidos –, pensa-se que a polarização e a horrível política de soma zero desencorajam uma liderança política potencialmente competente. Mas, na ausência de uma maior análise, o vácuo de liderança torna-se numa explicação genérica. O que precisamos de saber é porque é que a nova liderança política nas democracias como França, Reino Unido, Japão e Estados Unidos tem sido tão pouco produtiva. Uma segunda explicação responde a essa questão: Ao mesmo tempo que é exigida uma acção corajosa, a complexidade das condições económicas e o desacordo sobre quais as respostas políticas correctas implicam um risco de se cometer um erro grave.

Para os políticos profissionais e os decisores políticos em tais circunstâncias, menos pode ser mais. Nesta perspectiva, a aversão ao risco tanto reflecte, como reforça, a divergência entre incentivos individuais (o desejo de ser reeleito, renomeado e promovido) e as necessidades colectivas (a resolução de problemas). Uma terceira resposta indica que os instrumentos políticos são, simplesmente, ineficazes nas condições actuais. Há algum mérito neste argumento. A desalavancagem económica exige tempo. A restauração de padrões de crescimento sustentáveis exige anos, não meses. As expectativas podem estar em desacordo com a realidade subjacente. Mas a ausência de uma solução rápida não significa que nada possa ser feito para melhorar a velocidade e a qualidade da recuperação. Os interesses instalados também desempenham aqui um papel. A inovação política e as forças globais do mercado produziram uma mudança decisiva no rendimento, que se dirige para o capital e para a parte da população que se situa nos 20% com maiores rendimentos, muitas vezes à custa dos grupos da classe média, dos desempregados e dos jovens.

Quem beneficiou desta tendência pode ter acumulado influência política para manter o status quo, dando destaque a questões ligadas à distribuição de rendimentos que receberam, em geral, pouca atenção quando se tentava compreender as respostas políticas ou a ausência dessas respostas. Também há explicações estruturais para a inacção política. Os sistemas de governação e as estruturas constitucionais diferem na medida em que exigem consenso alargado para uma acção oficial ou para uma alteração à direcção política, como resposta a choques ou a condições em mudança. Há quem defenda que os sistemas políticos mais restritos funcionam bem em tempos de estabilidade mas apresentam um pior desempenho sob condições voláteis, como as que se vivem actualmente. Outros defendem que um governo mais restrito acaba por proteger toda a gente do desperdício, da procura por rendas e da interferência relativa à liberdade de escolha e que, quando é necessário, as lideranças inspiradas podem alcançar o consenso exigido para a resposta às circunstâncias em mudança. Grandes obstáculos às grandes mudanças na direcção política obrigam as autoridades a actuarem de forma convincente.

Esta é uma tarefa inerentemente difícil quando as mudanças aceleradas na economia global deixaram muitos a tentar perceber o que é que está a acontecer e o que isso significa para o crescimento, a estabilidade, a distribuição de rendimentos e o emprego. Perante tal complexidade, não é surpreendente que desacordos políticos genuínos tenham conduzido a um extenso debate e a uma acção relativamente reduzida. Além do mais, os elementos tecnocratas do governo têm de ser equilibrados com a prestação de contas democrática. Em todas as sociedades, os indivíduos com treino especial e com experiência são nomeados para desempenhar funções complexas em termos técnicos. A sua liberdade de acção é limitada por barreiras temporais e por procedimentos que determinam a natureza e o grau de prestação de contas às autoridades eleitas e ao público. Poderá haver demasiada liberdade de acção (populismo) ou uma prestação de contas demasiado reduzida (autocracia).

O equilíbrio necessário pode variar consoante as condições locais. Por exemplo, muitos observadores na China consideram que a prestação de contas deve melhorar tendo em conta os níveis actuais da evolução económica, social e política. Outros defendem que as democracias do Ocidente têm o problema oposto: um excesso de interesses limitados e politicamente firmes levam a pouco investimento e a deficientes equilíbrios entre as oportunidades e o desempenho do presente e do futuro. Tal situação conduz-se a um obstáculo crucial: não se pode confiar nas elites do governo, empresariais, financeiras e académicas. A ausência de confiança nas elites é algo saudável até certo ponto, mas há inúmeras sondagens que indicam que esta confiança está em rápido declínio, o que, obviamente, aumenta a relutância quando se tem de delegar autoridade para se ser conduzido num ambiente económico global de incerteza. A perda de confiança pode ter múltiplas causas, incluindo falhas analíticas: os bancos centrais, os reguladores, os intervenientes no mercado, as agências de notação financeira e os economistas falharam, quase todos, na detecção do risco sistémico crescente nos anos que antecederam a crise.

E muito menos actuaram com a forma correctiva apropriada. Mas uma causa mais importante é a suspeita de que as elites estão a colocar os seus próprios interesses à frente dos valores sociais partilhados. As queixas de que a nossa liderança, as instituições, as análises e os instrumentos políticos são inadequados para cumprir a tarefa que têm em mãos têm, certamente, uma ponta de verdade. Mas o problema mais profundo é a quebra desses valores e objectivos – ou seja, um enfraquecimento da coesão social. A restauração desses valores e objectivos exige que os analistas, os decisores políticos, os líderes empresariais e os grupos da sociedade civil esclarecem os motivos, partilhem as culpas pelos erros, procurem soluções flexíveis em que os custos sejam partilhados de forma equitativa e, mais importante, expliquem que os problemas difíceis não podem ser resolvidos do dia para a noite. "

Michael Spence

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