A tragédia e as farsas
"Na passada quarta-feira, o ministro das Finanças justificou a fama de liberal à portuguesa e divulgou o conjunto mais socialista de medidas desde 1975. Em vez das mudanças na taxa social única, que favoreciam os empregadores em detrimento dos assalariados, ganhámos umas habilidades no IRS que prejudicam os assalariados a favor do Estado. Sobretudo, as medidas prejudicam os assalariados que pagam impostos, conhecidos consoante a perspectiva como a classe média ou os "ricos", doravante dobrada e redobradamente taxados no património e no que calha.
Em simultâneo, Vítor Gaspar admitiu o que já era uma evidência: o Governo não quer, não pode ou não sabe cortar na despesa, pelo que o combate ao défice continuará a travar-se quase exclusivamente através da receita. O dr. Gaspar não precisou de admitir que, face às promessas de campanha e às carências do país, o Governo é um logro. Corre-se com ele?
Sugiro calma. A menos que se seja entusiasta de golpes militares e das ditaduras subsequentes, enxotar o Governo implica colocar alguém, ou alguma coisa, no seu lugar, em princípio um partido ou uma associação de partidos designados mediante eleições. Mas quais?
Basta olhar a oposição e concluir, sem espanto: a esquerda explícita em geral consegue mostrar-se capaz de fazer bastante pior do que a esquerda implícita que hoje manda nisto. O PS, escondido atrás de um "sentido de responsabilidade" que nunca se lhe adivinhou, evita as maçadas do poder e sugere a repetição das exactas loucuras que nos arruinaram. Os partidos comunistas insurgem-se contra os impostos e o "pacto de agressão" enquanto defendem um Estado totalitário, falido e pária. Para completar o quadro, um divertido Congresso das Alternativas irrompeu a sugerir que a alternativa à penúria é o carnaval.
A verdade, escassamente lembrada, é que entre todos os críticos do Governo pouquíssimos estão preparados para assumir as críticas até às últimas consequências e lidar com um desagradável facto: ou sobem os impostos ou descem as prestações sociais e os empregos na administração pública. Dito de maneira diferente: ou há remendos ou há reformas. Ou ainda: ou há austeridade injusta ou há austeridade necessária. Mal por mal, eu preferiria a segunda hipótese. O Governo, inepto para abolir municípios, uma mera estação televisiva ou fundações e similares, prefere obviamente a primeira. E eis a escolha que temos. O resto, ou as exigências de "renegociação" (leia-se de anulação) da dívida, os gritinhos que reclamam a expulsão da troika e os palpites do dr. Soares, que anda por aí a propor a impressão de notas de banco, naturalmente não é para levar a sério.
Séria é a trapalhada a que chegamos, que uns abdicaram de resolver e os outros tentam empenhadamente agravar. Os cartazes que o PCP espalhou nas ruas pedem o fim do desastre. Supõe-se que para marcar a data do velório."
Alberto Gonçalves
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