Os magos
Hoje já não se lê nas entranhas dos animais, no voo das aves nem no vinho, mas em relatórios e estatísticas
Todas as sociedades, todas as mitologias, carecem de magos. Disso é prova a mitologia cristã, em que o Menino Deus foi, reza a lenda, adorado por magos. E, para compor o estatuto de divindade, os magos eram eles próprios reis. Ou seja, duas condições de poder: poder temporal e poder espiritual, esotérico. E vinham do Oriente, a fonte do saber ancestral.
Se houve ou não magos, se eram ou não reis, não importa. A lenda é suficiente para os fins da mitologia: o Menino só podia ser Deus encarnado, senão não teria sido adorado por reis. E magos. Aos pés do Deus Menino ajoelharam o poder temporal e o poder espiritual, reconhecendo a sua divindade, e fazendo-lhe oferendas, outra condição atribuível ao superior estatuto.
Na Suméria, na Grécia, no Egipto, em Roma, o papel dos magos foi sempre fundamental para o equilíbrio das sociedades: fossem magos orientais, fosse a pitonisa, fossem os sacerdotes de Amon ou os adivinhos e oráculos, a sua existência acalmava os espíritos medrosos dos comuns mortais, desprovidos de poderes de adivinhação, de previsão, de ciência.
A ignorância do vulgo não desapareceu nos últimos 5 mil anos. A abundância de saber da era da informação é aparente! O vulgo é, como sempre foi, ignorante do que realmente importa: do saber acerca da realidade das coisas, daquilo que por detrás do manifesto se oculta! Tal como na antiguidade o povo ignaro desconhecia a razão das boas ou más colheitas, fruto de fenómenos astronómicos e meteorológicos, que eram ciência conhecida dos magos e sacerdotes, também hoje o proletariado urbano, mais alargado que nunca, desconhece as efectivas razões de ser das crises financeiras e económicas.
Hoje já não se lê nas entranhas dos animais, no voo das aves nem no vinho, mas em relatórios e estatísticas. Esse papel é hoje de comentadores e analistas. Acima deles há os magos. Aqueles a quem a sociedade precisa de reconhecer poderes supranormais. E precisa, pois é a tais magos que têm de ser entregues os destinos das nações. Isso vê-se com clareza na escolha que o poder político, quando eleito, faz dos ministros das Finanças e dos procuradores-gerais da República. Todos ascendem ao cargo com uma aura de magos. Aqueles que têm o poder temporal que lhes é entregue pelo sistema político, mas que têm um poder maior, paranormal, mercê do estatuto intelectualmente superior que se lhes imagina. Já não é uma auréola de santo que lhes cinge a fronte! Já não é um manto de arminho que lhes ornamenta os ombros. É a fama de superioridade técnica.
Repare-se que todos os ministros das Finanças assumem a função envoltos em incensos de competência extrema, conhecimento técnico inultrapassável e honestidade inquestionável. Dado que o maior problema da modernidade é um problema de desenvolvimento económico e de tesouraria dos estados, que gastam mais do que podem para satisfazer a turba, as Finanças têm de ser entregues a magos… que passado pouco tempo caem em desgraça, pois na verdade não têm poderes nenhuns. São comuns mortais. E erram.
Por Saragoça da Matta, in I
1 Comments:
Desta vez o Mago veio da oriental cidade aragonesa de Saragoça.
Mais um iluminado no meio desta cambada de ignorantes do séc XXI
Caesar Augustus
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