16 de Setembro de 1977.
"Na noite cheia de neblina de 16 de setembro de 1977, um acidente de carro tirava a vida de um dos grandes visionários do rock. Ao lado de sua banda, o T.Rex, Marc Bolan teve a ousadia de criar, no início dos anos 70, um visual cheio de adereços espalhafatosos e voltar a compor músicas curtas e diretas. E logo estava o glam rock fazendo a cabeça da molecada. E depois tudo isso ainda daria no punk.
Desgrenhar os cabelos, subir em um palco usando botas de plataforma, vestir calças agarradas e echarpes de plumas coloridas, quem se habilita? Marc Bolan! Guitarrista e cantor, o londrino Marc Bolan (nascido Marc Feld) teve a competência e a falta de vergonha suficientes para fazer isso e muito mais, inaugurando o glam rock no início dos anos 70. Logo depois de emplacar seu primeiro sucesso à frente do T.Rex, com a ultra-simples canção “Ride A White Swan”, Bolan achou que seria interessante compor um visual cheio de adereços – claro, para chamar mais atenção. Conseguiu assim uma aparição no Top Of The Pops e um segundo lugar nas paradas britânicas. A imprensa gostou da idéia e passou a associar a banda ao termo “glam rock”.
É bem verdade que o conceito de glamour daquela época estava mais para o trash e Bolan se orgulhava de seu visual, dos cabelos crespos enfiados em uma cartola enorme, que os adolescentes logo correram para imitar. Nascia assim um dos períodos mais espalhafatosos da história da música. Com o T.Rex, ele ajudou a pavimentar o caminho por onde desfilariam pouco tempo depois as jaquetinhas laminadas do Roxy Music, o megatopete de Gary Glitter ou os quimicamente alterados cabelos de David Bowie. Nos EUA, onde o glam rock nunca chegou a ser bem compreendido, o movimento foi de certa forma simplificado para glitter e teve poucos expoentes.
A primeira virada na vida de Bolan, fã de Bob Dylan e poesia romântica, ocorreu quando ele largou a escola aos 14 anos, alegando que ali não lhe era ensinado o que queria aprender. Mais ou menos a mesma desculpa esfarrapada que todos roqueiros dão para trocar as aulas por guitarras. A segunda e mais importante guinada ocorreu em 1970, quando depois de tocar música folk que falava de magos, unicórnios e dragões em um duo chamado Tyrannosaurus Rex, Bolan decidiu que queria uma banda de rock “de verdade”, para ele tocar guitarra elétrica. Começou enxugando o nome, de Tyrannosaurus Rex para T.Rex. Ficou perfeito.
Na Inglaterra do início dos anos 70, com sua fórmula musical sem grandes mistérios, o T.Rex foi a salvação de muita gente que não estava disposto a namorar ou lavar louça ouvindo os épicos progressistas de quinze minutos que começavam a surgir. Bolan praticamente só fez músicas de pouco mais de três minutos, com riffs grudentos de guitarra, ótimos ganchos, letras com versos bem curtinhos e contando sempre com a graciosa ajuda de suas backing vocals. Seu maior hit foi a extraordinária “Get It On”, que explodiu em setembro de 1971, alavancando o sucesso de vendas e crítica do álbum Electric Warrior, o melhor de toda sua carreira. Parte do êxito também se devia ao trabalho do produtor Toni Visconti, com quem Bolan contava desde 1968 e que também produziria vários dos mais importantes discos de David Bowie.
Marc Bolan resgatou o espírito divertido do rock dos anos 50 e o revestiu com uma fina camada de sensualidade e brincadeira. Ele nunca gritava desbragadamente, sua voz tinha sempre um tom intimista e cativante. Em “Life’s A Gas”, dizia: “Garota, eu poderia transformar seu coração em uma estrela”. Versinhos assim, simples, mas brilhantes feito purpurina, garantiram muitos sucessos ao T.Rex. Como a sexy e sussurrada “Mambo Sun” ou a cheia de punch “Children Of The Revolution”, que foi um verdadeiro hino no ano de 1972, com seu clima que vislumbrava o heavy metal e que deve ter arrastado todos os indecisos para o bolo de fãs de Marc Bolan. “20th Century Boy” é outro clássico absoluto, que começa com suas guitarras estrondosas e segue em ritmo contagiante. O Placebo regravou a música recentemente para a trilha do filme Velvet Goldmine e não se esqueceu do fundamental corinho de vozes femininas. A linda “Cosmic Dancer” caiu como uma luva para a história de Billy Elliot, o menino dançarino do filme homônimo [N. do E.: há ainda uma tocante versão de Morrissey para esta música, lançada em um single e posteriormente incluída na coletânea My Early Burglary Years]
Ainda nos tempos de Tyrannosaurus Rex, Bolan chegou a lançar um álbum que provavelmente tem o nome mais longo em toda história da música: My People Were Fair & Had Sky In Their Hair... But Now They're Content to Wear Stars. Quando, em 1974, sua carreira começou a declinar, Bolan saiu-se com um igualmente estrombólico (mas desta vez pouco expressivo) disco chamado Zinc Alloy And The Hidden Riders Of Tomorrow. Seguiu-se Futuristic Dragon de 1976 (os dragões voltando a atacar...), com apenas algumas boas faixas, como “New York City”, o último hit da banda. “Dreamy Lady”, por exemplo, já era tentativa de adaptação frustrada aos novos tempos, com a inserção de uma batidinha disco. Ainda assim, o último álbum de Marc Bolan e o T.Rex, Dandy In The Underworld, mostra aqui e ali que se não tivesse morrido precocemente, Bolan provavelmente passaria por uma transição e mergulharia no punk.
De fato, o T.Rex com suas músicas simples de poucos acordes foi uma das inegáveis influências do punk que começou a se desenvolver a partir da segunda metade da década de 70. Os Ramones, por exemplo, foram fãs confessos do T.Rex. E não dá para negar que, em termos visuais, Marc Bolan e seus cabelos rebeldes foram também uma referência obrigatória para os representantes daquela “coisa” chamada hair metal nos anos 80 [N. do E.: também chamada de poseur metal].
Marc Bolan morreu em Londres em um acidente de carro há 25 anos, na noite cheia de neblina de 16 de setembro de 1977. Ele voltava para casa com sua namorada, a cantora de soul e ex-backing do T.Rex, Gloria Jones. Gloria, que estava ao volante, perdeu o controle do carro e bateu em uma árvore. Ela sobreviveu. Ele, no banco do passageiro, morreu na hora. Na ocasião, o glam já se encontrava em franca decadência e o punk já havia estourado. Ainda, assim, com sua criatividade, simpatia e falta de pretensão, Bolan havia cravado definitivamente seu nome no panteão dos ídolos pop. Dos tiranossauros rex do rock, um dos mais autênticos. "
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