quinta-feira, julho 03, 2008

O pior de dois mundos

"A Física ajudou-nos a perceber que o tempo é contínuo. É uma linha recta. Ou seja, a história não se repete. O futuro é aquilo que as pessoas fizerem dele. Ainda assim, quem olha hoje para a economia fica com uma sensação óbvia de ‘déjà vu’. Inflação alta e crescimento baixo. Onde é que já se viu esta situação? Na década de setenta do século passado e tem um nome: ‘estagflação’.

Os números ontem divulgados para a inflação na zona euro em Junho mostram um máximo de 16 anos: 4%. Muito longe da referência dos 2% seguida pelo Banco Central Europeu. Já as últimas previsões de crescimento não passam dos 1,7%, muito longe do fôlego necessário para justificar uma pressão tão forte sobre os preços. Mais uma vez, a economia parece que enlouqueceu. A teoria diz uma coisa e está a acontecer outra. Normalmente, inflação elevada é sinónimo de sobreaquecimento da economia. Em contrapartida, uma economia em travagem é bom para controlar os preços porque é sinónimo de menos consumo e investimento. Nada disto parece ser verdade nos tempos que correm.

Isto acontece porque o mundo está num processo de mudança estrutural. E não há mudanças sem dor. Gigantes como a China e Índia estão a beneficiar de acelerados crescimentos económicos e começam a exigir padrões de desenvolvimento mais semelhantes aos do mundo ocidental. Resultado, há uma pressão sobre a procura de combustíveis, alimentos e outras matérias-primas a que a oferta não consegue responder. E neste mecanismo básico a economia continua a funcionar: quando a oferta não responde à procura, os preços sobem.

O desequilíbrio vai demorar vários anos até estar resolvido e, entretanto, está a ser potenciado pelos especuladores que saíram dos mercados financeiros e procuram agora ganhos na bolsa de Chicago – a casa-mãe das transacções de matérias-primas.
A situação é grave. As manifestações populares que surgem como erupções cutâneas são a prova de que a crise já chegou às pessoas, que olham para os vários responsáveis e não vislumbram uma resposta elucidativa.

Noutros tempos, com a inflação a 4%, a intervenção do BCE seria mais musculada. Agora são mais palavras do que acções e os mercados seguem o seu caminho indiferentes aos recados. Dos governos vêm estratégias contraditórias. A verdade é que estão todos a navegar à vista. As estratégias tradicionais têm eficácia duvidosa. Os banqueiros centrais podem subir os juros, o que irá aniquilar o fraco crescimento económico. Mas é pouco provável que controle a inflação porque o choque de mudança é demasiado poderoso. Conseguia-se apenas o pior de dois mundos.

O que fazer então? Quem conseguir acertar nesta questão será forte candidato a um prémio Nobel. A crise da ‘estagflação’ na década de setenta marcou uma mudança no paradigma económico dominante: os keynesianos perderam a guerra para os monetaristas. Agora ninguém sabe. Para já, há um caminho sensato: tentar proteger as pessoas mais pobres porque são as mais afectadas pela subida dos preços.
"

Bruno Proença

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