quarta-feira, setembro 24, 2008

A incógnita mantém-se

"Se olharmos além da crise, verificamos que o aumento da dívida federal dos Estados Unidos não será propriamente uma catástrofe.

O resgate de Wall Street vai, muito provavelmente, poupar-nos ao iminente colapso do sistema financeiro. Mas não há bela sem senão: até que ponto poderá esta situação transformar o risco de incumprimento do sector financeiro em risco soberano? Quais serão as implicações a longo prazo para o crescimento económico? Como irão reagir os investidores estrangeiros se o “jogo” não compensar? E que efeitos terá o incumprimento na estrutura e incentivos do sector financeiro?

Segundo a proposta sobre a mesa, o governo dos Estados Unidos irá comprar com desconto todos os títulos de dívida do sector privado de empresas financeiras em dificuldade para mais tarde os vender. Teoricamente, o governo poderia arrecadar lucro ao mesmo tempo que resgatava o sector financeiro.

Nesse caso, a esperança triunfaria sobre a lógica. Porquê? Porque teria implícito que a situação irracional que hoje se atravessa releva da crise, que originou as actuais baixas avaliações de activos de risco, e não da bolha que a precedeu.

A dimensão das perdas para o governo seria proporcional aos futuros preços de venda dos derivados em causa. As estimativas entretanto avançadas são extremamente díspares, oscilando entre zero e vários triliões de dólares. Em suma, ninguém sabe qual é de facto a verdade, sendo que esta depende essencialmente do bom ou mau desempenho dos mercados subjacentes.

Até sabermos a verdade, a economia norte-americana pode perfeitamente entrar em recessão. Nesse caso, o público terá menos condições – e vontade – de liquidar as dívidas e assistir-se-á, paralelamente, a novas quebras nos preços imobiliários e a um aumento do desemprego. E à medida que a recessão se agravar, não só aumentará o número de falências empresariais como a taxa de incumprimento relativa às obrigações emitidas por empresas. Tudo isto terá repercussões no mercado de ‘swaps’ de incumprimento de crédito (CDS), no qual os compradores se podem proteger contra os incumprimentos.

No exercício findo em Agosto, a taxa de incumprimento das obrigações emitidas por empresas situava-se em 1,8%. Nas duas anteriores recessões nos Estados Unidos a taxa foi superior a 10%. Não esquecer, porém, que a taxa de incumprimento acompanha o ciclo de negócio com algum atraso. Edward Altman, professor de Finanças na Stern School of Business, em Nova Iorque, diz que a taxa de incumprimento deverá aumentar para 6% a 9% dentro de um ano, consoante o método estatístico utilizado.

Altman explicou-me que um aumento da taxa de incumprimento superior a 10% poderia causar danos consideráveis no mercado de CDS. Ora, é extremamente difícil calcular as exposições líquidas no mercado de CDS, que se estima rondar os 62.000 mil milhões de dólares (43.000 mil milhões de euros), muito embora este valor remeta para o valor bruto dos títulos indicado nos contratos firmados. Grande parte equivale a dívidas a receber por diferentes bancos, mas se estas forem eliminadas, estima-se que o valor em questão seja pouco superior a 1.000 mil milhões de dólares.

É um valor difícil de provar, mas se a taxa de incumprimento não ultrapassar os 10% e a taxa de recuperação rondar os 25%, o total de perdas poderá não exceder os 100 mil milhões de dólares. Um cenário destes pode, consoante a distribuição das perdas, provocar a derrocada de um ou dois grandes ‘players’ num mercado fortemente concentrado como este. Qualquer estimativa sobre os danos financeiros desta crise está, assim, condenada a uma elevada margem de erro. As incertezas são mais do que muitas, mas uma coisa é certa: os contribuintes enfrentam o risco real e presente de avultadas perdas.

Mas se olharmos além da crise, verificamos que o aumento da dívida federal dos Estados Unidos não será propriamente uma catástrofe, embora venha a ter consequências na economia. Uma taxa de incumprimento elevada pode afectar o futuro crescimento económico, como acontece no Japão e em Itália. Pode, inclusive, pôr em causa a vontade dos investidores estrangeiros de manterem títulos norte-americanos. Ou levá-los a exigir um prémio de risco mais elevado, o que seria uma nova fonte de potencial instabilidade.

Resumindo, não se pode tratar esta questão como um exercício puramente contabilístico, na medida em que a dívida transita de uma parte da economia para outra. Ou seja, tem efeitos dinâmicos. E o efeito que isto pode ter no sector financeiro é outra das perguntas que continua sem resposta. Poderá esta política ajudar à boa saúde das empresas financeiras ou levará a que, no futuro, se assumam riscos semelhantes aos que nos meteram nesta embrulhada?

Esta política de resgates fez com que os riscos, antes suportados por poucos, sejam hoje suportados por muitos. Mas a incógnita sobre o desfecho desta crise mantém-se – tanto hoje como há uma semana atrás
."

Wolfgang Munchau

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sempre interessante.O esquema tem muitas incógnitas e uma delas é o "timing" que vai ser necessário para aprovação no Congresso, a 45 dias das eleições.Do que ouvi a senadores nas várias televisões , eles têm noção de que é preciso "salvar o sistema",apesar da imoralidade da causa,consigam ou não evitar o "paraquedas dourado" dos vários responsáveis.Ao contrário da Alitália ,onde o confronto esquerda -direita vai talvez matar o brinquedo, o ataque à crise nos USA parece consensual.Os custo irão sendo conhecidos .Agora é preciso proclamar:"há rede!"

quarta-feira, setembro 24, 2008  

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