sexta-feira, outubro 31, 2008

Cabaz de moedas

“A mãe de todas as crises cambiais” foi o termo usado pelo recém laureado Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, num curto artigo publicado no New York Times, no final do mês, sobre os próximos desenvolvimentos nos mercados mundiais de divisas.
O economista escreveu no seu blogue: “Tenho lido os relatórios de Stephen Jen, um antigo aluno meu, que actualmente é o estrategista chefe de câmbios do banco Morgan Stanley.
Ele sublinha que desde o colapso do Lehman [Brothers] se avolumam claros sinais de crises cambiais através dos mercados emergentes do globo, incluindo a Europa do Leste. Neste momento, não se trata de uma crise asiática ou latino-americana. É uma crise global. Jen acrescenta:
‘Até agora, o sector financeiro dos Estados Unidos foi o epicentro da crise global. Receio que a queda dos activos e das economias dos mercados emergentes será o segundo epicentro, nos próximos meses, com efeitos devastadores no mundo desenvolvido.’”
Os analistas Edward Hadas e Hugo Dixon, em outro artigo publicado pelo diário novaiorquino, também lançaram o alarme. “A crise financeira - escreveram - atingiu uma marca perigosa. Os mercados de divisas são um ioió. Agora, as autoridades têm de encetar algumas manobras, bem vastas e delicadas - uma espécie de micro-cirurgia numa aeronave em céus turbulentos.”
Após citarem a dramática apreciação do iene e as violentas desvalorizações de outras moedas face ao dólar, os analistas explicaram a razão dos temores:
“Variações desta escala são alarmantes quando acontecem no mercado bolsista. Porém, são petrificantes nos mercados de divisas, pois tornam virtualmente impossível fixar os preços das exportações e das importações.”
A situação agravou-se nos últimos meses com as manobras especulativas, sobretudo protagonizadas por grandes hedge funds.
Desde a crise asiática, e da deflação que se lhe seguiu, o iene japonês e as baixíssimas taxas de juro nipónicas foram um El Dorado para os especuladores.
Comprar ienes a preço de saldo para financiar operações especulativas a nível global foi altamente lucrativo nos últimos dez anos.
Desde 2007, a implosão do mercado hipotecário norte-americano, o aperto global do crédito e a recessão económica mundial geraram dinâmicas inversas. A necessidade de dinheiro fresco, por parte dos investidores e especuladores dos países ricos, aumentou a procura sobre a divisa japonesa.
Nos últimos meses, a necessidade fez subir em mais de 40% o seu valor face ao dólar.
A impressionante valorização do iene é uma bomba-relógio para os exportadores nipónicos e um grave factor de desestabilização dos mercados cambiais.
Os fenómenos globais de desalavancagem aceleraram o processo, com prejuízo para os países com moedas mais fracas, vulneráveis a grandes défices orçamentais, ao desequilíbrio das contas correntes ou aos crónicos agravamentos da dívida pública.
Perversamente, o dólar americano, embora afectado por todas aquelas maleitas, beneficia do facto de continuar a ser percepcionada como divisa âncora das reservas financeiras mundiais.
Por esta razão, em meados do ano, inverteu-se o acelerado processo de desvalorização do dólar, iniciado há um ano atrás.
Contrariamente, países europeus com insuficientes reservas de moeda estrangeira e excessivamente dependentes de capitais externos - com destaque para a Islândia, Hungria, Cazaquistão, Sérvia e Bielorússia - foram particularmente afectados nas útimas semanas. Pacotes internacionais de ajuda financeira - empréstimos bilionários e venda de dólares - sucederam-se para limitar os danos e a erosão do valor das suas moedas.
“Esta é a maior crise cambial que o mundo alguma vez conheceu”, afirmou Neil Mellor, estrategista do Bank of New York Mellon, citado pelo londrino The Telegraph.
O articulista do diário britânico sublinhou que “a crise financeira, que alastra como um incêndio incontrolável através do antigo bloco soviético, ameaça despoletar uma segunda e mais grave crise bancária na Europa Ocidental, e provocar o completo desmoronamento económico de todo o continente.”
Os números são aterradores.
A Alemanha e a Rússia estão no olho do furacão.
Só na Islândia as perdas da banca germânica ultrapassaram USD 22 mil milhões/bilhões (mm/bi).
Em toda a Europa do Leste a exposição dos bancos da Alemanha é igualmente gigantesca.
O caso da Rússia também é preocupante, agravado pelo afundanço dos preços do petróleo e pela desvalorização do rublo mais de 10%, nas últimas semanas.
A dívida externa dos oligarcas russos (USD 530 mm/bi) já suplantou o total das reservas do país em moeda estrangeira e, até ao final de Dezembro, terão que pagar tranches no valor de USD 47 mm/bi.
Apesar das riquezas naturais, avolumam-se os perigos de incumprimento russo no pagamento dos serviços da dívida externa.
Na semana passada, os seguros de risco contra uma eventual insolvência da Rússia, galgaram para os 12% - uma taxa superior à registada pela Islândia na véspera da falência do sector bancário islandês.
Alarmante é o grau de exposição dos bancos austríacos aos mercados emergentes europeus, que equivale a 85% do PIB da Áustria, com dimensão crítica na Hungria, Ucrânia e Sérvia.
O mesmo indicador afecta a Suíça (50%), Suécia (25%) e Espanha (23%), contra apenas 4% da banca norte-americana.
O drama espanhol é agravado pela crítica exposição aos mercados da América Latina. Os bancos do vizinho ibérico emprestaram USD 316 mil milhões aos países latino-americanos - quase o dobro dos empréstimos da banca americana na região.
Da Argentina ao México, a banca espanhola corre sérios riscos de incumprimentos em cadeia. Se a estes juntarmos os da crise da bolha imobiliária, ainda em evolução, teremos um panorama negro para a banca espanhola com evidentes perigos de contágio ao sector bancário português.
Neste contexto, conforme referiu o The Telegraph, “o mercado tomou cuidadosamente nota, na sexta-feira, que os maiores bancos de Portugal - Millenium, BPI e Banco Espírito Santo - se preparam para recorrer às garantias de crédito de emergência concedidas pelo Estado.”
Outro especialista em divisas, Hans Redeker, do banco BNP Paribas, falou “no perigo iminente” de as taxas de câmbio leste europeias implodirem “a menos que as autoridades monetárias da União Europeia acordem para a real gravidade da ameaça” prevendo mesmo “o despoletar de uma perigosa crise para a própria União Monetária Europeia.”
“O sistema está paralizado, e começa a fazer lembrar a Quarta-Feira Negra de 1992.
Eu receio que isto terá um tremendo efeito deflacionário na economia da Europa Ocidental.
É quase garantido que o suprimento de moeda aos mercados da Eurolândia está prestes a implodir”, disse o economista do BNP Paribas.
Esta é a visão de curto prazo.
Na semana passada, o investidor norte-americano Warren Buffett - admirado como o Oráculo de Omaha - discorreu no New York Times sobre a sua estratégia de longo prazo, favorável à actual compra de acções e de obrigações: “Hoje as pessoas que dispõem de aplicações equivalentes a dinheiro fresco sentem-se confortáveis. Não devem. Elas optaram por um terrível activo de longo prazo, algo que, virtualmente, dá uma remuneração igual a zero e está certamente condenada a perder valor. Na realidade, as políticas que o governo [americano] vai adoptar nos seus esforços para aliviar os efeitos da crise actual, provavelmente, vão ser inflacionárias e por isso acelerar a desvalorização do valor real dos depósitos em numerário. Os títulos, quase de certeza, irão ultrapassar a apreciação da moeda durante a próxima década, provavelmente de forma substancial.
Os investidores que acumulam numerário estão a apostar na possibilidade de poderem fazer a mudança mais tarde, com sucesso. Na espera de boas notícias, eles ignoram o conselho de Wayne Gretzky [lenda do hóquei no gelo]: “Eu patino para onde vai estar o disco e não para onde ele esteve.”
As consequências de curto prazo para a economia global são ameaçadoras, sobretudo na área do comércio internacional.
A combinação explosiva da recessão mundial, com o descontrolo da crise cambial, vai aumentar pressões proteccionistas e desencadear um ciclo vicioso de falências, desemprego e quebra do PIB mundial.
O economista norte-americano Nouriel Roubini, ontem, na coluna semanal que assina para a revista Forbes, aconselhou que devemos prepararmo-nos para a stag-deflation - um venenoso neologismo que casa estagflação com deflação.
A Grande Depressão dos anos 30 pode vir a ser ultrapassada.
Este é o efeito perversor da Globalização.
MRA Dep. Data Mining
Pedro Varanda de Castro, Consultor
Por cá nada se passa, a dívida externa é como se não existisse.

Divulgue o seu blog!