E você, já é dono do seu banco?
"Ouve-se e não se acredita: o representante dos bancos portugueses pôs um chapéu de orelhas de burro aos portugueses e atribuiu-lhes a culpa exclusiva pelo endividamento que agora os aflige. Não é apenas insensibilidade, é despautério. Se estamos a falar de "culpa" (a expressão é dele), ela não vive em família monoparental.
Sobre os comportamentos de risco que levaram à crise financeira, os bancos portugueses merecem uma medalha de bom comportamento. Estão muito melhor que outros bancos europeus, que, de qualquer forma, se portaram infinitamente melhor que os americanos. O sermão de João Salgueiro aos endividados é, até por isso, dispensável.
É verdade que, em Portugal, há muita iliteracia financeira. E que quem se endividou é maior e vacinado, não tendo sido obrigado a assinar quaisquer papéis, mesmo os que têm letras miudinhas. Mas a iliteracia financeira também existe do lado de lá do balcão, de bancários que vendem produtos financeiros que conhecem mal, porque têm de cumprir objectivos ambiciosos impostos pelas chefias. Nos últimos anos, houve (e ainda há) um aliciamento activo de crédito para a casa, o móvel e o papagaio. No investimento, impingem-se produtos estruturados sem qualidade. Abusa-se de comissões e cláusulas leoninas, que o Governo tem, aliás, vindo a desfazer. O mesmo Governo que, há dois anos, João Salgueiro chamou de "peronista" por criticar as baixas taxas de impostos pagas pela banca. Tem sido assim. Quando o Orçamento do Estado se aproxima, a banca inquieta-se e João Salgueiro entra em jogo.
Se os portugueses são, como diz o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, gente ignorante e frívola naquilo que consome, a banca foi oportunista e aproveitou-se disso. O crédito foi fácil de mais. Ignorá-lo é, mal comparado, como dar uma arma a um homem de cabeça perdida e dizer que ele é que a disparou. Ou desamarrar Ulisses do mastro e acusá-lo de fraqueza por sucumbir à sedução diabólica das sereias.
O dislate de João Salgueiro é, no entanto, um "fait-divers" quando comparado com o que se passa no sistema financeiro mundial. E a verdade é que a banca portuguesa se portou nos últimos anos melhor do que aquele que a representa faz crer.
Esse é o prémio de consolação da banca europeia, que nunca alinhou no movimento de separação entre a banca comercial e a banca de investimento, como aconteceu nos Estados Unidos, deixando-a livre da supervisão prudencial que lhe limitasse os níveis de alavancagem. Alguns pequenos bancos que estão a falir na Europa, onde, no entanto, já se disse que se fará "o que for preciso" (palavras de Gordon Brown) para salvar o sistema. O caso mais evidente é o suíço UBS, que tinha comprado activos tóxicos indevidamente avaliados com nota máxima por agências de "rating". A Suíça não deixará que passe a ser conhecida apenas pelos relógios e chocolates...
Ao contrário do que os portugueses julgam, do que Francisco Louçã pede, e do que José Sócrates anui, não é em Jean-Claude Trichet que devemos ter os olhos postos, mas no Congresso, no Senado, na Administração norte-americana. É aí que se salvará, ou não, o sistema financeiro, que está em contagem decrescente para a implosão. A indecisão gera incerteza, e esta é a maior inimiga das economias. A falta de liquidez entre bancos criou o absurdo de termos as euribor a subir sem representatividade. Mas com uma factura cara. Até quando?"
Pedro Santos Guerreiro
Sobre os comportamentos de risco que levaram à crise financeira, os bancos portugueses merecem uma medalha de bom comportamento. Estão muito melhor que outros bancos europeus, que, de qualquer forma, se portaram infinitamente melhor que os americanos. O sermão de João Salgueiro aos endividados é, até por isso, dispensável.
É verdade que, em Portugal, há muita iliteracia financeira. E que quem se endividou é maior e vacinado, não tendo sido obrigado a assinar quaisquer papéis, mesmo os que têm letras miudinhas. Mas a iliteracia financeira também existe do lado de lá do balcão, de bancários que vendem produtos financeiros que conhecem mal, porque têm de cumprir objectivos ambiciosos impostos pelas chefias. Nos últimos anos, houve (e ainda há) um aliciamento activo de crédito para a casa, o móvel e o papagaio. No investimento, impingem-se produtos estruturados sem qualidade. Abusa-se de comissões e cláusulas leoninas, que o Governo tem, aliás, vindo a desfazer. O mesmo Governo que, há dois anos, João Salgueiro chamou de "peronista" por criticar as baixas taxas de impostos pagas pela banca. Tem sido assim. Quando o Orçamento do Estado se aproxima, a banca inquieta-se e João Salgueiro entra em jogo.
Se os portugueses são, como diz o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, gente ignorante e frívola naquilo que consome, a banca foi oportunista e aproveitou-se disso. O crédito foi fácil de mais. Ignorá-lo é, mal comparado, como dar uma arma a um homem de cabeça perdida e dizer que ele é que a disparou. Ou desamarrar Ulisses do mastro e acusá-lo de fraqueza por sucumbir à sedução diabólica das sereias.
O dislate de João Salgueiro é, no entanto, um "fait-divers" quando comparado com o que se passa no sistema financeiro mundial. E a verdade é que a banca portuguesa se portou nos últimos anos melhor do que aquele que a representa faz crer.
Esse é o prémio de consolação da banca europeia, que nunca alinhou no movimento de separação entre a banca comercial e a banca de investimento, como aconteceu nos Estados Unidos, deixando-a livre da supervisão prudencial que lhe limitasse os níveis de alavancagem. Alguns pequenos bancos que estão a falir na Europa, onde, no entanto, já se disse que se fará "o que for preciso" (palavras de Gordon Brown) para salvar o sistema. O caso mais evidente é o suíço UBS, que tinha comprado activos tóxicos indevidamente avaliados com nota máxima por agências de "rating". A Suíça não deixará que passe a ser conhecida apenas pelos relógios e chocolates...
Ao contrário do que os portugueses julgam, do que Francisco Louçã pede, e do que José Sócrates anui, não é em Jean-Claude Trichet que devemos ter os olhos postos, mas no Congresso, no Senado, na Administração norte-americana. É aí que se salvará, ou não, o sistema financeiro, que está em contagem decrescente para a implosão. A indecisão gera incerteza, e esta é a maior inimiga das economias. A falta de liquidez entre bancos criou o absurdo de termos as euribor a subir sem representatividade. Mas com uma factura cara. Até quando?"
Pedro Santos Guerreiro
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