sábado, outubro 17, 2009

Escutas.

"Por coincidência, neste fim-de-semana reli algumas páginas de um livro belíssimo de Fernando Dacosta, Nascido no Estado Novo, onde também se avançam curiosíssimos dados sobre a vida pessoal de Salazar. Lá se conta que a governanta, D. Maria, falava ao telefone através de linguagem cifrada, por suspeitar que o telefone estava sob escuta! Isto, imagine-se, há 50 anos! E os suspeitos de escutarem o todo-poderoso presidente do Conselho não eram os adversários do regime mas a própria PIDE.

O tema das escutas não é, portanto, de hoje – e não se percebe como o episódio que envolveu o Presidente da República tenha dado tanto que falar.

Ou melhor, só se percebe tendo em conta que o PS dispõe hoje de uma grande e eficaz máquina de propaganda e contra--propaganda. Nenhuma gaffe, nenhum deslize, nenhuma contradição de um político da oposição passa hoje em claro – sendo depois explorada à saciedade. Mesmo episódios ocorridos em salas reservadas são recuperados e esmiuçados ao mais ínfimo pormenor.

Manuela Ferreira Leite foi, neste aspecto, uma vítima da máquina socialista. Qualquer coisa que dissesse fora do ‘politicamente correcto’ era objecto de divulgação em grande escala e de ridicularização pública. Quando disse que «a família é para ter filhos» – frase absolutamente banal – sabe-se o que aconteceu: foi como se tivesse dito uma enormidade. Ou como se o normal fossem os casamentos de pessoas estéreis, ou de homossexuais, ou de velhotes já fora da idade de procriar...

A história de Cavaco e das escutas também mostrou a eficácia da máquina de contra-propaganda socialista – que, como sempre acontece nestas situações, conta depois com alguns idiotas úteis. Para lá de dispor da colaboração de jornalistas e directores de jornais – e este é o dado novo.

Em alguns jornais perdeu-se o pudor. Até há poucos anos, os responsáveis dos jornais tinham cuidados redobrados nos períodos eleitorais. Nestes períodos, é usual choverem nas redacções as ‘notícias bombásticas’, procurando criar ‘casos’ que condicionem a votação. É a conhecida tentativa de fabricar ‘factos políticos’.

Assim, em períodos de campanha, os jornais evitavam dar à estampa pretensos escândalos de contornos duvidosos, recusando o papel de correias de transmissão de interesses partidários. Mas esse pudor desapareceu.

Um destes dias, já em plena campanha autárquica, um diário (o Correio da Manhã) vinha acusar Santana Lopes de ter pago 600 euros à hora ao arquitecto Gehry. Ora isso passou-se há oito anos, por que raio sai agora essa notícia?! Porque a máquina de contra-propaganda do PS a plantou, um jornalista a engoliu e o director aceitou fazer manchete com ela.

E se este caso era demasiado óbvio quanto aos objectivos que pretendia atingir, há outros que o não são tanto.

Voltemos à vaca fria – o caso das escutas. Verificaram-se coisas extraordinárias. Viu-se, por exemplo, Alfredo Barroso a atacar o comportamento de Cavaco Silva face ao Governo.

Ora como pode Alfredo Barroso – por quem tenho estima e que convidei, em tempos, a colaborar no Expresso – dizer honestamente uma coisa destas, sabendo como ninguém as intrigas que eram urdidas em Belém contra o primeiro-ministro Cavaco Silva no tempo em que Mário Soares era Presidente?

A memória é curta, mas não tanto.

Barroso era chefe da Casa Civil da Presidência e conhece por dentro as sucessivas ofensivas públicas de Soares contra o então primeiro-ministro.

Quem não se lembra do ‘Portugal: Que Futuro?’, congresso que Soares organizou expressamente para atacar Cavaco e as suas políticas – e que seria repetido três anos depois sob outro nome?

Quem não se lembra de quando Mário Soares falou do «direito à indignação», legitimando um bloqueio ilegal da ponte 25 de Abril? A propósito: seria normal um Presidente solidarizar-se com um acontecimento que configurava um acto pré-insurreccional?

E que dizer da Presidência Aberta em Lisboa – organizada, segundo a própria Estrela Serrano, na época assessora do Presidente, para atacar o chefe do Governo Cavaco Silva e a ideia do «oásis» que este lançara? Tem isto alguma comparação com a insinuação de um assessor de Cavaco de que há escutas a Belém?

Este lamentável episódio não colocou mal o Presidente da República – que, atacado em toda a parte com uma ferocidade e uma violência nunca vistas, soube manter a compostura e agir com dignidade.

Confesso que às vezes tive de apagar a televisão para não ouvir as enormidades que se diziam sobre um episódio que não continha a menor substância – e que só esteve tanto tempo na agenda mediática porque a contra-propaganda o foi alimentando.

O que eu ouvi nalguns desses debates e entrevistas! Até comentadores futebolísticos, como Rui Moreira, se debruçaram sobre o tema – com uma agressividade e irresponsabilidade já pouco aceitáveis no futebol, mas impensáveis quando está em causa o chefe do Estado.

Cavaco – repito – mostrou-se sereno. A nossa intelligentsia, pelo contrário, deu uma triste imagem de si própria. Deixou-se manipular, instrumentalizar, mostrou falta de memória e de ponderação, inexplicável nervosismo, irresponsabilidade extrema.

Não estava na cara que os ataques ao Presidente da República e a sua colagem ao PSD em vésperas de eleições só interessavam ao PS, que assim matava dois coelhos de uma cajadada?

Não está na cara que o enfraquecimento do Presidente só interessa hoje ao PS e ao Governo – já que, perante o estado de fraqueza do PSD, Cavaco Silva é o único possível obstáculo à prepotência governativa?

Não está na cara que, mesmo aqueles que não gostam de Cavaco, não têm a mínima vantagem numa fragilização do Presidente, que é o único garante de um certo pluralismo?

O certo é que, nestes tempos difíceis em que o sectarismo campeia, ninguém mais, além do Presidente da República, está em condições de só ter em vista o interesse comum.

Os partidos – como a própria palavra ‘partido’ indica – têm interesses parcelares, de grupo.

Ora Cavaco Silva, como todos reconhecerão, tem dado provas de que não se deixa instrumentalizar nem amedrontar por ninguém. E não pode ser acusado de partidarismo: basta ver como, nesta crise, todos os partidos o criticaram.

Será muito difícil ver isto?
"

JAS

Divulgue o seu blog!