sábado, dezembro 12, 2009

Sem pudor

"Vital Moreira é, certamente, um homem de mal com a vida. A sua vida política é ziguezagueante, marcada por sucessivos desencontros e constantes derrotas eleitorais. A última aconteceu nas eleições europeias que perdeu para um candidato de grande valia académica e intelectual, mas pouco conhecido dos portugueses. Ser ele conhecido foi uma vantagem, já que os portugueses não se deixaram enganar.

Não me interessa a pessoa em si. O que me incomoda são as leviandades reincidentes, proferidas nas suas intervenções públicas, a propósito da justiça. No contexto do processo ‘Face Oculta’ disse, sem pudor, o seguinte: "Decididamente, o poder político não pode estar permanentemente à mercê destas emboscadas judicial-mediáticas. Em vez de se regozijarem com essas situações e de as explorarem politicamente em seu proveito, os líderes da oposição e os titulares de outros cargos políticos deveriam pensar que poderá também chegar a sua vez de serem vítimas dos abusos de poder de agentes da justiça (…)." Percebe-se que ande zangado com os portugueses que rejeitaram, nas urnas, a sua candidatura. Decididamente, Vital não pode estar à mercê destas emboscadas eleitorais. Nem, como disse, o poder político, seu parceiro de momento, pode estar refém de emboscadas judicial-mediáticas premeditadas. A Constituição da República, de que foi um dos mentores, inspirada no princípio da separação de poderes, acaba de ser transformada num texto sem valor jurídico. Uma emboscada.

A nova revisão constitucional deveria, talvez, consagrar que "nenhum político pode ser perseguido e investigado pela justiça. E se for investigado por crimes de corrupção e de tráfico de influências, tal competência passa a pertencer ao poder político." Assim ficava tudo em família. O que está em causa nesta polémica é a perda da autonomia do Ministério Público nas investigações criminais, o que vale pouco para Vital. Já sabemos que o poder judicial é inimigo dos homens bons, daí que não deva perturbar os senhores poderosos. Toca a reunir o poder político contra os malandros dos juízes e dos procuradores que só servem para incomodar gente de bem que pensa sempre no interesse público. As ligações promíscuas entre o poder político e o poder económico, as suas relações tentaculares, o combate à corrupção, a impunidade e a degradação do regime democrático de nada interessam. Tem razão Vital. O que faz falta é o poder político emboscar, de vez, a Justiça. Mas, com franqueza, um regime democrático que se deixa degradar por um punhado de sucatas só merece pensamentos de sucata
. "

Rui Rangel

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