Contas Públicas: a verdade, ano e meio depois
"A verdade é como o azeite: acaba por vir sempre ao de cima. Na semana passada, coube ao INE repor a verdade sobre os números das contas públicas portuguesas de 2009, nomeadamente sobre os valores das rubricas "despesas com pessoal" e "contribuições sociais". Uma verdade que tinha sido deturpada pelo Governo, como se nada fosse, quase "pela calada", desde a apresentação do Orçamento do Estado para 2009 (OE'2009) em Outubro de 2008, e que diz respeito ao registo das contribuições sociais dos funcionários públicos. Repare o leitor: na "verdade" que o INE reportou agora a Bruxelas, as "despesas com pessoal" e as "contribuições sociais" das Administrações Públicas totalizaram, em 2009, 22 424.1 milhões de euros e 22 446.5 milhões, respectivamente (ambos os valores correspondem a 13.7% do PIB), o que significa que, face a 2008, as primeiras subiram 4.6% e as segundas 4.2%. Contudo, na "verdade" do Governo, o seu valor ascendeu, em 2009, a 18 919.2 milhões de euros e a 18 869.5 milhões, respectivamente (ambos os números representam 11.5% do PIB). Uma diferença de cerca 3 500 milhões de euros, ou 2.2% do PIB, para a "verdade" do INE. Coisa pouca, como se vê… mas que fez com que, face a 2008, tivessem caído 11.7% e 12.4%, respectivamente. Ora, se o leitor estiver recordado, em 2009 os aumentos salariais na função pública foram de 2.9%... pelo que a queda de 11.7% do valor das "despesas com pessoal" face a 2008 só podia ser "gato escondido com o rabo de fora". E era mesmo, como o INE, de forma oficial, agora revelou.
Tudo isto sucedeu porque, no OE'2009, o Executivo decidiu, de forma unilateral e sem consultar - como devia - os organismos estatísticos oficiais português (INE) e europeu (Eurostat) na matéria, alterar a metodologia de contabilização das duas rubricas acima referidas. Uma alteração sem impacto no valor do défice público, mas com significativas repercussões na composição das rubricas e dos agregados das receitas e das despesas públicas, como já se viu. E que tornava incomparáveis os valores daquelas duas rubricas antes e depois de 2009 (inclusive). O grande problema é que o Governo continuou a actuar como se nada fosse, comparando… o incomparável, isto é, o "antes de 2009" e o "depois de 2009". Basta ver diversos quadros e gráficos que constam dos Relatórios que acompanham o OE'2009 e o OE'2010, e também a recente actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2010-2013. Este último exemplo é revelador. De facto, logo na segunda linha da página 14 pode ler-se a seguinte pérola:
"De 2005 a 2009, a sua estrutura [da despesa corrente] revela alterações significativas:
• As despesas com o pessoal reduzem o seu peso de 14.4% do PIB para 11.5% (…)".
Ora, como atrás vimos, o valor de 2009 das despesas com pessoal reportado pelo INE não foi de 11.5% do PIB, mas sim de 13.7%... E, portanto, a comparação feita pelo Governo é desonesta. Como é possível não existir nada que chame devidamente a atenção para o facto de os valores de 2005 e 2009 não serem comparáveis, devido à alteração metodológica efectuada?!... E o mesmo já se passava anteriormente, quer no OE'2010, quer no OE'2009… Uma vergonha. Mas pior é que, em Outubro de 2008, quando questionado sobre esta alteração metodológica, Emanuel Santos, o secretário de Estado do Orçamento (SEO) justificou que "as alterações metodológicas foram feitas por razões que nos são externas", aludindo a uma recomendação europeia que, afinal, como agora se conclui… não existia. Aliás, como o Jornal de Negócios noticiou na passada semana, quando questionado sobre esta matéria, o INE referiu que "alterações, a existirem, serão efectuadas no quadro da mudança de base de contas nacionais prevista para breve". Para Junho próximo, segundo se sabe… E, de acordo com o Negócios, é quase certo que parte ou a totalidade da opção governativa será chumbada…
Ora, como o leitor que acompanha os meus escritos - e também as minhas intervenções na esfera política - com regularidade saberá, creio que desde há cerca de ano e meio, ninguém se terá batido mais do que eu para desmascarar esta manobra contabilística, tipo "esperteza saloia" tão tipicamente portuguesa, do Governo. Em inúmeras ocasiões questionei quer o ministro das Finanças, quer o SEO, tendo sido brindado não com as respostas que pretendia (e que devia ter tido), mas tão só com acusações e insinuações que só posso reputar como infelizes…
… Quando o meu único objectivo foi assegurar a comparabilidade dos dados ao longo do tempo… e a sua veracidade, para, com os números correctos, poder - então sim!... - avaliar as opções políticas do Governo. Aliás, cheguei mesmo a contactar o Eurostat sobre esta matéria… e foi a própria entidade estatística europeia que, tendo sido iludida pelos números do Governo numa primeira fase (Previsões do Outono de 2008), emendou a mão depois de alertada (Previsões da Primavera de 2009).
Comparabilidade e verdade: eis o que sempre pedi ao Governo - e o que sempre me foi negado. Apetece perguntar: e agora, senhor ministro das Finanças?!... E agora, senhor SEO?!... O que têm a dizer?... Fui eu que denegri o nome de Portugal?!... O que pensarão, por exemplo, as agências de rating, ao lerem o excerto do PEC acima transcrito?... Julgarão sério proceder daquela forma?!... E, reparando na "marosca" implícita, confiarão no resto do documento?!... Quem é que, afinal, está a prejudicar o bom-nome de Portugal?!...
É lamentável que manobras destas sejam efectuadas por quem dirige os destinos de Portugal. Quem devia ser um exemplo para o resto da sociedade é, ao invés, quem adopta práticas absolutamente condenáveis. Sob todos os pontos de vista. Sobretudo o ético - porque isto não tem nada a ver com opções políticas. Tem a ver com (falta de) rigor, honestidade e seriedade.
Infelizmente, foi preciso esperar ano e meio pela verdade. Felizmente, ela vem (mesmo!) sempre ao de cima…
NOTA: Não satisfeito com todo este imbróglio, o Governo resolveu reincidir no OE'2010, quando a alteração metodológica referida ao longo do texto foi alargada às contribuições para os subsistemas de saúde dos funcionários públicos - o que subtraiu mais cerca de EUR 500 milhões às despesas com pessoal. Mais uma vez à revelia do INE e do Eurostat, e voltando a tornar incomparáveis os valores de 2010 com os de 2009 e, claro, com os dos anos anteriores. Mas, uma vez mais, tudo foi comparado como se nada fosse, a exemplo do sucedido anteriormente, sem uma única nota explicativa ou chamada de atenção junto dos quadros do Relatório do OE'2010 (como já tinha acontecido no OE'2009). Absolutamente lastimável. Triste sina a nossa: lá vamos nós ter que esperar outro ano e meio para ter a verdade sobre os valores do ano em que estamos... "
Miguel Frasquilho
Tudo isto sucedeu porque, no OE'2009, o Executivo decidiu, de forma unilateral e sem consultar - como devia - os organismos estatísticos oficiais português (INE) e europeu (Eurostat) na matéria, alterar a metodologia de contabilização das duas rubricas acima referidas. Uma alteração sem impacto no valor do défice público, mas com significativas repercussões na composição das rubricas e dos agregados das receitas e das despesas públicas, como já se viu. E que tornava incomparáveis os valores daquelas duas rubricas antes e depois de 2009 (inclusive). O grande problema é que o Governo continuou a actuar como se nada fosse, comparando… o incomparável, isto é, o "antes de 2009" e o "depois de 2009". Basta ver diversos quadros e gráficos que constam dos Relatórios que acompanham o OE'2009 e o OE'2010, e também a recente actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2010-2013. Este último exemplo é revelador. De facto, logo na segunda linha da página 14 pode ler-se a seguinte pérola:
"De 2005 a 2009, a sua estrutura [da despesa corrente] revela alterações significativas:
• As despesas com o pessoal reduzem o seu peso de 14.4% do PIB para 11.5% (…)".
Ora, como atrás vimos, o valor de 2009 das despesas com pessoal reportado pelo INE não foi de 11.5% do PIB, mas sim de 13.7%... E, portanto, a comparação feita pelo Governo é desonesta. Como é possível não existir nada que chame devidamente a atenção para o facto de os valores de 2005 e 2009 não serem comparáveis, devido à alteração metodológica efectuada?!... E o mesmo já se passava anteriormente, quer no OE'2010, quer no OE'2009… Uma vergonha. Mas pior é que, em Outubro de 2008, quando questionado sobre esta alteração metodológica, Emanuel Santos, o secretário de Estado do Orçamento (SEO) justificou que "as alterações metodológicas foram feitas por razões que nos são externas", aludindo a uma recomendação europeia que, afinal, como agora se conclui… não existia. Aliás, como o Jornal de Negócios noticiou na passada semana, quando questionado sobre esta matéria, o INE referiu que "alterações, a existirem, serão efectuadas no quadro da mudança de base de contas nacionais prevista para breve". Para Junho próximo, segundo se sabe… E, de acordo com o Negócios, é quase certo que parte ou a totalidade da opção governativa será chumbada…
Ora, como o leitor que acompanha os meus escritos - e também as minhas intervenções na esfera política - com regularidade saberá, creio que desde há cerca de ano e meio, ninguém se terá batido mais do que eu para desmascarar esta manobra contabilística, tipo "esperteza saloia" tão tipicamente portuguesa, do Governo. Em inúmeras ocasiões questionei quer o ministro das Finanças, quer o SEO, tendo sido brindado não com as respostas que pretendia (e que devia ter tido), mas tão só com acusações e insinuações que só posso reputar como infelizes…
… Quando o meu único objectivo foi assegurar a comparabilidade dos dados ao longo do tempo… e a sua veracidade, para, com os números correctos, poder - então sim!... - avaliar as opções políticas do Governo. Aliás, cheguei mesmo a contactar o Eurostat sobre esta matéria… e foi a própria entidade estatística europeia que, tendo sido iludida pelos números do Governo numa primeira fase (Previsões do Outono de 2008), emendou a mão depois de alertada (Previsões da Primavera de 2009).
Comparabilidade e verdade: eis o que sempre pedi ao Governo - e o que sempre me foi negado. Apetece perguntar: e agora, senhor ministro das Finanças?!... E agora, senhor SEO?!... O que têm a dizer?... Fui eu que denegri o nome de Portugal?!... O que pensarão, por exemplo, as agências de rating, ao lerem o excerto do PEC acima transcrito?... Julgarão sério proceder daquela forma?!... E, reparando na "marosca" implícita, confiarão no resto do documento?!... Quem é que, afinal, está a prejudicar o bom-nome de Portugal?!...
É lamentável que manobras destas sejam efectuadas por quem dirige os destinos de Portugal. Quem devia ser um exemplo para o resto da sociedade é, ao invés, quem adopta práticas absolutamente condenáveis. Sob todos os pontos de vista. Sobretudo o ético - porque isto não tem nada a ver com opções políticas. Tem a ver com (falta de) rigor, honestidade e seriedade.
Infelizmente, foi preciso esperar ano e meio pela verdade. Felizmente, ela vem (mesmo!) sempre ao de cima…
NOTA: Não satisfeito com todo este imbróglio, o Governo resolveu reincidir no OE'2010, quando a alteração metodológica referida ao longo do texto foi alargada às contribuições para os subsistemas de saúde dos funcionários públicos - o que subtraiu mais cerca de EUR 500 milhões às despesas com pessoal. Mais uma vez à revelia do INE e do Eurostat, e voltando a tornar incomparáveis os valores de 2010 com os de 2009 e, claro, com os dos anos anteriores. Mas, uma vez mais, tudo foi comparado como se nada fosse, a exemplo do sucedido anteriormente, sem uma única nota explicativa ou chamada de atenção junto dos quadros do Relatório do OE'2010 (como já tinha acontecido no OE'2009). Absolutamente lastimável. Triste sina a nossa: lá vamos nós ter que esperar outro ano e meio para ter a verdade sobre os valores do ano em que estamos... "
Miguel Frasquilho
1 Comments:
Está-lhes no DNA....
A longa experiência altera-lhes o DNA e dá no que esta deputada brasileira diz:
http://www.youtube.com/watch?v=G-SHAak_stc&feature=player_embedded
Enviar um comentário
<< Home