sábado, maio 22, 2010

Para onde vai a zona euro?

"Pode a zona euro dividir-se? Até muito recentemente teria respondido “não, de maneira alguma”, mais a pensar na adesão de países tão diferentes daqueles que compõem o núcleo duro, isto é, a Europa do Norte, e menos no facto de considerar a união monetária uma ideia pouco sensata.

O compromisso então assumido em prol do seu êxito foi, aparentemente, fundamental para as políticas dos principais poderes europeus. Mas sê-lo-á hoje em dia? Não sei.

O que correu mal? O que vai acontecer agora? E daqui em diante? Que significado pode ter para a economia mundial e da zona euro?

No que respeita à primeira pergunta, a ortodoxia da zona euro diz-nos que a raiz da crise é orçamental. Marco Annunziata, do UniCredit, sintetizou assim esta ideia: "Em termos retrospectivos, as falhas na moldura institucional da zona euro são simultaneamente simples e complexas. Primeiro, para uma união monetária poder sobreviver é preciso uma certa convergência orçamental ou integração. Segundo, a zona euro não soube criar incentivos que promovessem a disciplina orçamental".

O gráfico apresentado por Annunziata mostra que esta perspectiva está errada. Basta ver a frequência com que a regra dos 3% do PIB - valor limite para os défices orçamentais - foi violada. A Grécia portou-se mal, no entanto, o número de violações de Itália, França e Alemanha é superior às de Espanha e da Irlanda. Não obstante, são estes dois países que agora enfrentam maiores dificuldades orçamentais.

As regras orçamentais não contemplaram os riscos. Isto não é surpresa para ninguém. O aumento dos preços dos activos e consequente avolumar da bolha, bem como os excessos financeiros associados, foram o principal motor das economias espanhola e irlandesa. O que restou depois das "economias bolha" rebentarem? Ruínas orçamentais.

Foram as bolhas, estúpido. Olhando para trás, verificamos que a criação da zona euro gerou uma certa folia: alguns países tinham bolhas de activos gigantescas e outros, muitos, permitiram o aumento constante dos salários relativos. Alemanha e Holanda passaram a ter vastos excedentes na balança de transacções correntes (BTC), a união optou por encorajar o fluxo de capitais para as economias emergentes em termos favoráveis e à implosão da despesa privada seguiu-se a explosão dos défices orçamentais.

Em que ponto nos encontramos agora? A resposta dos políticos da zona euro à crise tem sido previsível por imputarem a culpa aos especuladores, por garantirem o financiamento de devedores soberanos instáveis - salvando, assim, os credores -, por prescindirem da restruturação da dívida e por insistirem numa disciplina orçamental apertada nos países com défices elevados.

A isto soma-se o investimento do Banco Central Europeu (BCE), no montante de 16 mil milhões de euros, nas obrigações do Tesouro dos países de maior risco da zona euro - um valor baixo comparando com as recentes intervenções -, mas um sinal forte, apesar de tudo. O euro desvalorizou, mas mantém um valor alto para os parâmetros históricos. No melhor dos casos, a zona euro ganhou algum tempo para proceder aos ajustamentos necessários.

O que se segue? A Grécia vai, a dada altura, restruturar a sua dívida, como defendeu recentemente John Dizard, colunista do Financial Times. Não seria o pior desenlace. Quando um país é considerado ‘junk bond', isto é, abaixo do grau mínimo de investimento, a sua reputação fica ferida para sempre. Em circunstâncias como esta, um encargo da dívida baixo face à solvabilidade pode servir de contrapeso aos custos do incumprimento. E o momento mais lógico para o efeito coincide com a eliminação do défice orçamental primário (antes de juros), prevista para 2012.

Seja como for, os países periféricos só poderão repor a estabilidade orçamental se regressarem ao crescimento. No caso dos países com défices elevados na BTC, o crescimento teria de ser garantido pelas exportações líquidas. A alternativa ao aumento das exportações líquidas, isto é, a retoma da despesa privada e a entrada continuada de fluxos de capital, não só é improvável como indesejável. Resta saber se os países periféricos - cuja competitividade diminuiu significativamente aquando da adesão à zona euro - pode gerar fortes melhorias estruturais, e não apenas cíclicas, nas exportações líquidas.

Em termos históricos, os países que sofreram crises de dívida foram quase sempre ajudados pela desvalorização cambial. Como o grosso das trocas comerciais dos membros periféricos da zona euro têm lugar entre si, não ganhariam nada com uma ligeira desvalorização do valor externo do euro.

Numa união monetária, a saída passa pela descida dos preços ou, mais concretamente, pela redução dos custos. A Irlanda caminha nesse sentido, mas há muitos países que ficaram para trás. Além de ser um processo demorado, também ajuda a aumentar o valor real da dívida. Ora, os proponentes da reforma estrutural ignoram estes factos.

O que significa tudo isto? Primeiro, os mercados têm razão em mostrar-se cépticos face a uma solução orçamental. A restruturação da dívida é provável, pelo menos no caso da Grécia, apesar de não resolver a falta de competitividade. Segundo, a zona euro ganhou algum tempo e deve aproveitá-lo, entre outras coisas, para tornar o seu sistema financeiro solvente e levar a cabo uma restruturação credível quer da dívida pública quer da dívida privada.

Terceiro, a análise dos problemas da zona euro ignora sistematicamente a instabilidade do sector privado, que poupou demasiado em certas áreas e gastou, emprestou e pediu emprestado, também em demasia, noutras. Uma força extremamente desestabilizadora que acabou, inevitavelmente, por ser exacerbada pela política monetária de "tamanho único".

Quarto, apesar dos países periféricos se contorcerem no anzol, o pescador está decidido a mantê-los ali. Eis a única proposta de fundo que emergiu do debate sobre a reforma da zona euro: a política orçamental tem de ser disciplinada. Annunziata diz que "os limites orçamentais deviam ser incluídos na legislação de cada país sob a forma de regras automáticas, vinculativas e imutáveis". Os Estados americanos aplicam essas regras, mas os EUA têm um orçamento federal, o que não acontece com a zona euro. A segunda maior economia mundial está, pois, na iminência de adoptar a doutrina orçamental pré-keynesiana.

Quinto, nada indica que a tensão venha a abrandar entre uma Alemanha determinada a impor essas restrições orçamentais e os países que recusam a primazia de tal disciplina - caso da França, por exemplo -, ou que se mostrem incapazes de a manter. Perante os ajustamentos profundos que se avizinham, crescem as dúvidas sobre se a zona euro será, ou não, capaz de gerir estas tensões. A paciência da Alemanha poderá vir a ser esticada além do limite.

Por último, a zona euro parece estar no caminho de um maior rigor orçamental graças ao contrapeso, pelo menos por ora, de uma taxa de câmbio mais fraca. Os americanos vão dizer que se trata de uma política que visa empobrecer o vizinho e que em nada ajudará ao reequilíbrio global. Na verdade, não sabemos quanto irá depreciar face à retoma global, mas sabemos que não vai ajudar.

É provável que a zona euro sobreviva, apesar do forte pessimismo que hoje se sente. No entanto, a ideia de que tudo estaria bem se as regras orçamentais tivessem sido cumpridas está errada. A irresponsabilidade do sector privado foi o maior erro. Agora, coloca-se novamente a ênfase no rigor orçamental. Ora bem, para isto funcionar também é preciso crescimento. Poderá a austeridade gerar crescimento, como alguns esperam? Duvido. O altruísmo, só por si, não basta
."

Martin Wolf

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