quinta-feira, setembro 09, 2010

O Estado Social da penúria (II)

"(Onde o autor continua a sua mui modesta contribuição para o debate sobre um mui relevante problema que aflige a pátria, o qual permanece continuadamente obliterado por razões eleitoralistas, como se houvesse mais tempo a perder para salvar o barco nacional em processo de afundamento).

Se houvera dúvidas sobre a necessidade de abrir o debate sobre o Estado Social e a sua sustentabilidade, a recente notícia sobre o aumento da despesa primária por relação ao semestre do ano passado em 5,7% veio afastá-las, e isto apesar da austeridade decretada. O Estado Social custa muito dinheiro e, como é evidente, só pode existir nestes moldes se se puder pagá-lo. Não há volta a dar-lhe e recusar este notório facto da vida é pura e simplesmente idiota e mesmo criminoso dadas as danosas sequelas para a comunidade. Não adianta querer um Estado como o da Dinamarca com uma economia como a da Roménia… só que esta está a crescer.

Por outro lado, a coisa fica mais feia ainda quando se pensa em demagogia, digo, demografia, com cada vez mais cidadãos seniores a consumirem cada vez mais recursos que cada vez menos pessoas produzem, enquanto escapam para o estrangeiro à media de 100.000 por ano, mais ou menos, nesta "década perdida". Um sistema de providência sustentado basicamente por impostos num Estado "jarreta" tende inevitavelmente para um desequilíbrio que o irá arruinar, enquanto os jovens, os contribuintes, votam com os pés.

Este argumento de per si bastaria, mas outros acrescem, dizendo respeito a rupturas no tecido económico, pela influência psicológica desmotivadora que cria nos agentes, logo na criação de riqueza. A balança, já desequilibrada, descai ainda mais. Não restam dúvidas que os sistemas baseados em subsídios criam exércitos de dependentes, sem estímulos para saírem de uma situação que, por estranho que pareça, pode ser favorável. A quantidade de pessoas que caem neste nicho não para de aumentar, com estórias humorísticas mas reais quanto a situações de acumulação de vantagens. Claro que o ideal seria eliminar o abuso pela fiscalização, mas o exército de fiscais e recurso necessários custaria o que, em ciência económica, se chama "batelada", demasiado dispendiosa para uma missão muitas vezes impossível. Custa a acreditar, mas duradoiramente havia tantas "baixas" laborais como desempregados (ultimamente já não deve ser assim, mas pelas más razões). Estes argumentos "cruéis", que não mencionam a situação dos justos que pagam pelos pecadores, podem ser politicamente incorrectos mas nem os PEC nem as declarações da Ministra do Trabalho lhes escapam.

Mas há mais, no domínio psicológico, onde o incentivo é determinante para a obtenção dos melhores resultados. Os sistemas previdenciais iniciaram-se como fundos constituídos por contribuições dos futuros beneficiários, mas "degeneraram" numa metodologia segundo a qual os que descontam agora não são os que recebem agora, e isto é contra o que se sabe ser a natureza humana, ao destruir, a nível individual, o elo entre contribuição e benefício ou, doutro modo, entre prémio e esforço. A longo prazo e agregadamente, essa desintonia conduz ao descalabro. E por muito que se prometa o Céu na Terra com a chamada solidariedade geracional, o facto é que dar a desconhecidos, na esperança que outros, mais tarde, em muito menor número, façam o mesmo, só continua a funcionar porque a maioria das pessoas não sabe como funciona o sistema. Como dizia o humorista, a Segurança Social não passa de um esquema Madoff, em que o contribuinte da base da pirâmide só vê promessas e oiro por um canudo.

Do mesmo modo, este corte entre o esforço e o benefício tem reflexos profundamente negativos na propensão à poupança, que agora, em Portugal, vai em 8% do PIB, numa queda de 50% em 15 anos. Se se vende, e as pessoas compram, uma ilusão segundo a qual os riscos são eliminados quase integralmente por um Estado bonacheirão e benfazejo, porque hão-de elas poupar e investir, em vez de ir para o Quénia ver feras sanguinárias e turistas descascadas nas praias meias desertas? Mas Portugal, perante a aparente indiferença de um Governo cuja propensão ao consumo não serve de exemplo para ninguém e comete verdadeiras razias como acabar com a atractividade dos Certificados de Aforro, tem exactamente aí um dos seus maiores problemas. E é exactamente por aí que a Alemanha pode pagar o seu oneroso Estado Social enquanto nós ficamos à espera do cobrador do fraque (se ainda vier de fraque e não de cachaporra ainda é bem bom).

Por isso dizem uns do espectro político que, para salvar o Estado Social, é necessário reformar o que temos e outros, mantendo dialéctica contrária, lhe vão cortando cada vez mais apêndices, porque as exigências da governação tal lhes vai impondo. O que é triste é ver tema de extrema importância tratado de forma ligeira e enganadora em clima permanentemente eleitoral - embora haja mais vida para além das eleições legislativo - partidárias
."

Fernando Braga de Matos

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