terça-feira, novembro 02, 2010

Anedota de brasileiro.

"Ferreira Gullar, prémio Camões do corrente ano e a quem Nelson Rodrigues, com doce cinismo, chamou "ex-poeta maravilhoso", é um dos principais escritores brasileiros vivos. Nunca fui devoto, que a poesia concreta não é, como se diz daquele lado do Atlântico, a minha praia. A prosa concreta, sim. E não se encontra com frequência prosa tão devastadoramente explícita quanto a que consta da recente entrevista de Ferreira Gullar ao Público. Está lá tudo, sobre as "presidenciais" brasileiras, sobre a esquerda brasileira, sobre a esquerda.

Eis, se me permitem, um excerto: "Lula é a vergonha do Brasil."

Eis outro: "A Dilma de esquer- da? Mas o PT não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito. O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participámos dessa aventura, somos obrigados a reconhe- cer isso."

Ainda outro: "O pessoal de esquerda não quer aceitar que isso acabou. Meu amigo Oscar [Niemeyer] não quer aceitar. O nosso querido Saramago não queria aceitar. É chato aceitar. Eu também vivi, me enganei, fui para o exílio. A diferença é que não posso me enganar a mim. Sou obrigado, doídamente, a reconhecer que acabou. Fui reler as coisas, e reconhecer o grande equívoco."

Só mais um: "O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus."

A opinião de Ferreira Gullar não é maioritária. Satisfeito com a actual, e relativa, prosperidade, o Brasil prepara-se para reeleger uma fraude. Ou, se quisermos ser exactos, para eleger uma nulidade fraude por uma fraude. Não parece incomodar os brasileiros que a prosperidade exista apesar de Lula e não graças a Lula, que quando muito estragou pouco o legado de Fernando Henrique Cardoso, somou-lhe o populismo assistencialista e, claro, colocou a máquina estatal ao serviço do PT.

Num país a sério, os brasileiros teriam duas razões de peso para reduzir a sra. Dilma à sua portentosa insignificância. A primeira, simbólica, seria os apoios que a senhora congrega: nenhum candidato digno beneficia da simpatia de José Sarney, Collor de Melo e "Chico" Buarque, criaturas decerto estimáveis e politicamente aberrantes. A segunda razão é prática: a regência do PT bateu os recordes nacionais de corrupção, que já não estavam ao alcance de qualquer um.

Nenhuma das razões pesará nas urnas. Além da genética, inúmeros brasileiros herdaram dos portugueses o curioso critério com que escolhem os respectivos líderes: o desprezo que nos dedicam limita-se às anedotas. A verdadeira anedota é essa
. "

Alberto Gonçalves

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