Quem trava a corrida para o abismo?
"De Londres chegam notícias de confrontos de jovens com a polícia, de incêndio de edifícios e até de pilhagem de estabelecimentos comerciais. Acontecimentos que ninguém imaginaria pudessem ocorrer na Europa. Tal como há alguns anos nos arredores de Paris, em Atenas mais recentemente, e de vez em quando às portas de Lisboa, a faísca que desencadeia a revolta é a actuação da polícia que conduz à morte de uma pessoa. Contudo, se queremos entender o significado destes episódios de violência, importa ver para além das responsabilidades dos indivíduos o plano em que decorre a acção da justiça. É preciso vê-los também como acontecimentos sociais que são parte integrante da história contemporânea das sociedades europeias.
É fácil reconhecer que há um enorme mal-estar nos subúrbios de algumas das grandes cidades europeias. O elevadíssimo desemprego entre os jovens, a concentração de famílias pobres em espaços urbanos degradados e a crescente desigualdade na distribuição do rendimento nestas sociedades são alguns dos ingredientes que trouxeram de volta à Europa a "questão social". Desde que as ideias neoliberais passaram a comandar a política económica, nos anos 80 do século passado, os governos de todas as cores políticas abandonaram o objectivo do pleno emprego e abraçaram o credo da "globalização feliz". Através da acção do FMI, do Banco Mundial, da OCDE e da União Europeia, o modelo do crescimento económico baseado nas exportações transformou-se na receita universal para os males de qualquer economia, ao mesmo tempo que a competitividade foi promovida a objectivo central da política económica.
A abertura às importações de países asiáticos, onde as condições salariais, sociais, ambientais e institucionais permitem preços imbatíveis, reduziu substancialmente a indústria europeia e expulsou definitivamente do mercado de trabalho largos milhares de cidadãos. A agenda de Lisboa, centrada no conceito de "economia do conhecimento" e na promoção da competitividade pela inovação, constituiu um manto ideológico que foi usado para ocultar uma dura realidade. A de que só algumas economias, muito poucas, estão em condições (têm instituições, competências, recursos) de escapar à concorrência pelo preço num mercado globalizado. Em boa parte da Europa, o crescimento do emprego precário em serviços de baixa produtividade foi o reverso da desindustrialização. Liderada pela finança, e comandada pelo imperativo do lucro de curto prazo, a globalização encaminhou os excedentes das economias vencedoras da globalização para as deficitárias onde o crescimento foi sustentado a crédito. A grande recessão que começou nos EUA em 2007 e se estendeu à Europa em 2008 é pois o triunfo da globalização, um processo em que comércio e finança são interdependentes.
Sem vontade política para continuar a garantir empréstimos, a parte da Europa que até agora beneficiou da globalização impõe agora à Espanha e à Itália a receita da austeridade e da baixa generalizada dos salários na ilusória expectativa de que a especulação contra o euro terminará. Em nome da competitividade no mercado global, agravam-se as políticas recessivas e reduz-se o Estado-providência a um Estado-assistência. Em sintonia com o neoliberalismo norte--americano, a Europa dá o seu melhor para que a grande recessão regresse e, desta vez, se transforme mesmo numa depressão.
Mas a história é um processo aberto. Marcada pelo desemprego e pela frustração dos seus projectos de vida, a juventude europeia tem dado sinais de que não se conforma com o programa de regressão social em curso. Talvez ainda seja possível congregar forças sociais e políticas que travem esta corrida para o abismo. Quem sabe?"
Jorge Bateira
É fácil reconhecer que há um enorme mal-estar nos subúrbios de algumas das grandes cidades europeias. O elevadíssimo desemprego entre os jovens, a concentração de famílias pobres em espaços urbanos degradados e a crescente desigualdade na distribuição do rendimento nestas sociedades são alguns dos ingredientes que trouxeram de volta à Europa a "questão social". Desde que as ideias neoliberais passaram a comandar a política económica, nos anos 80 do século passado, os governos de todas as cores políticas abandonaram o objectivo do pleno emprego e abraçaram o credo da "globalização feliz". Através da acção do FMI, do Banco Mundial, da OCDE e da União Europeia, o modelo do crescimento económico baseado nas exportações transformou-se na receita universal para os males de qualquer economia, ao mesmo tempo que a competitividade foi promovida a objectivo central da política económica.
A abertura às importações de países asiáticos, onde as condições salariais, sociais, ambientais e institucionais permitem preços imbatíveis, reduziu substancialmente a indústria europeia e expulsou definitivamente do mercado de trabalho largos milhares de cidadãos. A agenda de Lisboa, centrada no conceito de "economia do conhecimento" e na promoção da competitividade pela inovação, constituiu um manto ideológico que foi usado para ocultar uma dura realidade. A de que só algumas economias, muito poucas, estão em condições (têm instituições, competências, recursos) de escapar à concorrência pelo preço num mercado globalizado. Em boa parte da Europa, o crescimento do emprego precário em serviços de baixa produtividade foi o reverso da desindustrialização. Liderada pela finança, e comandada pelo imperativo do lucro de curto prazo, a globalização encaminhou os excedentes das economias vencedoras da globalização para as deficitárias onde o crescimento foi sustentado a crédito. A grande recessão que começou nos EUA em 2007 e se estendeu à Europa em 2008 é pois o triunfo da globalização, um processo em que comércio e finança são interdependentes.
Sem vontade política para continuar a garantir empréstimos, a parte da Europa que até agora beneficiou da globalização impõe agora à Espanha e à Itália a receita da austeridade e da baixa generalizada dos salários na ilusória expectativa de que a especulação contra o euro terminará. Em nome da competitividade no mercado global, agravam-se as políticas recessivas e reduz-se o Estado-providência a um Estado-assistência. Em sintonia com o neoliberalismo norte--americano, a Europa dá o seu melhor para que a grande recessão regresse e, desta vez, se transforme mesmo numa depressão.
Mas a história é um processo aberto. Marcada pelo desemprego e pela frustração dos seus projectos de vida, a juventude europeia tem dado sinais de que não se conforma com o programa de regressão social em curso. Talvez ainda seja possível congregar forças sociais e políticas que travem esta corrida para o abismo. Quem sabe?"
Jorge Bateira
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