sexta-feira, dezembro 16, 2011

Ícaro e os 0,5%

"Criou-se uma obsessão típica de Ícaro: se o limite ao défice de 0,5% for inscrito na Constituição o sol brilhará para todos nós. Em Portugal os partidos do arco do poder dividem-se entre achar que a regra deve estar na Constituição ou numa lei paraconstitucional. No fundo o que os divide é a forma e não o conteúdo. PSD, PP e PS gostam de ser humilhados em público. E ainda discutem quem deve ter a honra de escolher a humilhação. É um caso de esquizofrenia mas já nada admira neste país que admite ter uma folga orçamental podendo com isso injectar dinheiro na economia e não o faz enquanto a troika não der a bênção.

Os 0,5% são a maquilhagem para a humilhação vergonhosa que a Alemanha quer legar aos povos do sul da Europa. Institucionalizando uma corrente de pensamento que atolará os países mais fracos numa recessão sem fim. Que queremos: um fim horrível ou um horror sem fim? Walter Bagehot, liberal e fundador do "The Economist" costumava dizer: "Um dos maiores prazeres da vida consiste em fazer o que os outros lhe dizem que não pode fazer".

Esta tentativa de domesticação não resolve o essencial: a liquidez do sistema e o crescimento económico. O caso não é muito grave: sabe-se que a Constituição portuguesa é um conjunto de generosas intenções que normalmente salvam as almas no momento em que não são cumpridas. O problema é que afogados em impostos, imersos no desemprego e sem uma luz de recuperação à vista, os portugueses precisam de esperança. E estes 0,5% parecem mais uma corda para se enforcarem. O termómetro da sociedade escalda. Mas a classe política continua a voar como Ícaro
."

Fernando Sobral

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