segunda-feira, fevereiro 20, 2012

A idade dos porquês

"No final das sessões dos mercados, quem quiser encontrar explicações para as subidas e descidas do dia, basta visitar os sites económicos, ver os repórteres da especialidade nas televisões ou ouvir os analistas na rádio e logo verá a sua curiosidade satisfeita. Mas será que são essas as verdadeiras justificações? Será que aquilo que verdadeiramente move os mercados são esses argumentos que nos vendem?

Também eu, no início do meu interesse pelos mercados financeiros, ficava colado a essas notícias, em busca da explicação para os movimentos do dia. Hoje, 20 anos depois, vejo que a maior parte dessas justificações não correspondem à realidade. À posteriori, é sempre fácil irmos desencantar uma justificação que pareça plausível para aquele comportamento do mercado, mas duvido que na maior parte das vezes corresponda à realidade. No longo prazo, é fácil perceber o que move as acções, mas o seu comportamento no curto prazo é bem mais difícil de associar a algo.

Mas deixemo-nos de explicações teóricas e passemos a exemplos práticos que ilustram bem como funcionam estas justificações. Imaginemos que a Fed decide cortar as taxas de juro, de forma a estimular a economia. Se, no final da sessão, os mercados norte-americanos subirem, rapidamente os comentadores dirão que esse bom desempenho se deveu a este corte de taxas que vai estimular a economia. Mas se, pelo contrário, os índices caírem, rapidamente aparecerá a explicação de que o corte de taxas mostra a fragilidade actual da Economia. Dá para tudo…

Há cerca de 10 anos atrás (ainda eu negociava acções portuguesas), achei interessante a situação técnica da Impresa e decidi comprar bastantes acções. A acção estava calma nessa sessão (como toda a Bolsa portuguesa) e, na última meia hora final fui comprando a quantidade de acções que tinha destinado. A acção não era muito líquida e as minhas compras acabaram por fazer com que a cotação ganhasse mais de 4% sendo o único título de destaque desse dia. Passado alguns minutos, já estava nos sites noticiosos a explicação para a maior subida da Bolsa portuguesa: "A Imprensa destacou-se devido à expectativa de melhoria do mercado publicitário". Fiquei curioso em saber qual teria sido a explicação se eu, em vez de ter decidido comprar, tivesse decidido vender.

Ou seja, neste exemplo, o que levou à maior subida do dia entre as acções portuguesas foi a vontade do comprador mais forte. E como saberiam os jornalistas e analistas qual a minha motivação? Não sabiam, por isso procuraram uma explicação e falharam rotundamente. A razão para a subida foi o facto de, na minha análise técnica, a Impresa estar numa boa posição de entrada.

Não critico os jornalistas. Eles são pagos para produzir este género de explicações. Porque, em boa verdade, o público está ávido por estas explicações. O ser humano precisa de racionalizar tudo, mesmo quando não há razões evidentes. Muitos dos movimentos diários dos mercados não têm qualquer explicação racional. Ou melhor, cada comprador e vendedor tem uma motivação própria, mas achar que conseguimos perceber qual será é julgarmo-nos melhor do que o mercado.

Quando, no final das sessões, alguns leitores me enviam e-mails a perguntar a razão por que aquela acção subiu ou desceu, normalmente respondo que não sei. Porque, na verdade não sei mesmo. Mesmo sabendo que, do lado de lá, essa resposta é frustrante e o leitor continuará na Internet em busca da justificação. E estou certo que encontrará uma justificação. Infelizmente, raramente é a correcta e ainda mais raro é isso ajudá-lo a fazer dinheiro.

Por isso, se alguma vez me quiser perguntar por que é que esta acção subiu ou desceu, não o faça. Os meus amigos já desistiram também
."

Ulisses Pereira

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ilustra este artigo que a bolsa é um casino.

Toupeira

terça-feira, fevereiro 21, 2012  

Enviar um comentário

<< Home

Divulgue o seu blog!