Até domingo
"É normal que os gregos falem como tresloucados – afinal, estão à beira de uma catástrofe. Não é normal que na União Europeia ajam como se controlassem a situação – afinal, estão à beira de uma catástrofe. Ou talvez pânico e inércia sejam apenas extroversões diferentes do medo.
E nós, portugueses, com isso? Tudo.
Todas as nossas angústias domésticas passam para segundo plano. Os resultados da banca parecem maus mas foram péssimos. Os maus créditos esto a ser varridos para fundos. Quem participou no aumento de capital do BES sente-se já enganado em Bolsa. O FMI e o Banco de Portugal denunciam cedências do Governo aos grupos de pressão. A prometida cicuta contra as rendas da energia revelou-se açúcar para a EDP. O dinheiro do QREN volta atrás quando as empresas já lhe tocavam com os lábios. A revisão das PPP, a fusão das empresas públicas, as novas administrações, atrasado atrasado atrasado. Cada um destes assuntos merecia um editorial, uma indignação, uma acusação, uma denúncia. Mas nada é suficientemente grande para que não seja pequeno "ao pé de". "Ao pé de" uma saída da Grécia do euro, aquelas exclamações são vírgulas.
Em Portugal, estamos aquietados, observando de longe o que determinará o nosso futuro. Olhamos para os mercados como se ouvíssemos num transístor um jogo que tememos perder. A União Europeia simula o domínio dos acontecimentos mas os mercados estão desvairados. E os mercados, sabemo-lo, têm força suficiente para provocar os acontecimentos que começam por perspectivar.
É hora de sair da praia, trocar o martini pelo chá de valeriana. Nos últimos dias, o custo da dívida de países como Espanha e mesmo França disparou. (Portugal foi atrás). Nas bolsas, pior. No mínimo há uma "liquidação total" de acções espanholas e portuguesas. No máximo há um ataque especulativo, "short sellers" que vêem lucros nas nossas falências. Em qualquer dos casos há isto: a leitura de que a Grécia vai sair do euro, que Espanha precisará de intervenção externa (ou, pelo menos, de que os seus bancos precisarão de apoio externo), que por isso Portugal piora a sua posição.
O problema já não é que os mercados são incontroláveis. É os mercados estarem descontrolados. As eleições na Grécia consumaram a impossibilidade política do que já era uma improbabilidade financeira. As eleições em França acrescentaram incerteza. E os dados sobre a banca espanhola revelam crateras depois dos buracos.
Como disse ontem Luís Amado numa conferência no ISCTE, em Lisboa, "isto deixou de ser uma crise de dívida pública de alguns países e passou a ser uma crise existencial do euro". A moeda única vai prevalecer? Há dinheiro para acudir a Espanha? E se Espanha cai, treme a Itália, a França, o edifício inteiro? As "firewalls" que esterilizam a Grécia e evitam o contágio, protegerão Portugal? Pode a Grécia sair do euro e ficar na UE? Essas são as perguntas. De hoje. De sempre.
240 mil milhões de euros depois, a Grécia está a sair do euro, o que provocará o seu degredo (e a perda de milhões de euros pelo FMI e pelo BCE, o que nos levará a perguntar se não teria sido melhor outra forma de "perdão" mais precoce e ordenado). Mas a Europa não está a agir em função de solidariedades, mas com base em incentivos. Não se ouve um lamento pelos pobres dos gregos. O povo grego, tão europeu como nós, está com o revólver apontado às têmporas mas os demais parecem apenas preocupados com o seu emprego, a sua pensão, a sua conta bancária.
Em Portugal, estamos imunes? Em parte sim, porque não estamos nos mercados. Mas há risco de quebra de confiança, de saída de capitais, de fim da coesão política e da estabilidade social; e há risco de agravamento das condições económicas, com menos exportações. Como aqui escreveu ontem Helena Garrido, somos os meninos queridos da Alemanha mas os mal amados pelos mercados. E os mercados têm mais poder que uma chefe alemã sem dimensão para ser líder europeia.
E assim voltamos a ter medo dos domingos, os dias para que estão guardadas as piores notícias."
Pedro Santos Guerreiro
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