A bazuca de prata
"Ontem ouviram-se trombetas. Festejou-se. Houve fogo sem artifício. O que o BCE fez, o BCE fez bem. Hoje, ressacando da vitória, voltamos às posições de combate. A austeridade persiste. A guerra continua. Mas os generais mandaram vir a artilharia pesada.
A experiência de vários anos de frustrações recomenda prudência na análise. Até porque há demasiados riscos e imponderáveis. Mas a decisão de ontem do Banco Central Europeu é uma bala de prata. É um ás na mesa. É praticamente a bazuca que durante meses se pediu.
Foi o Banco Central Europeu. Tem sido sempre o Banco Central Europeu. E ainda havemos de nos preocupar com o facto de isso acontecer também porque as decisões do BCE não são, ao contrário das decisões das demais instituições europeias, sujeitas a aprovação dos parlamentos nacionais. Aliás, um dos riscos deste plano é precisamente o que resulta de eleições, como as holandesas deste mês ou as alemãs e italianas de 2013: e se Berlusconi regressa e rasga os compromissos?
Mas fez-se luz: se o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) comprará tranches de dívida pública em mercado primário, o BCE passará a comprar em mercado secundário, combatendo a especulação, retirando risco, permitindo aos países manterem-se no mercado.
A cavalaria veio por Espanha (e por Itália), não veio por Portugal (e pela Irlanda). Simplificando, isso foi assim não apenas porque esses são países com uma força política que nós, os pequenos, não temos, mas sobretudo por uma singeleza: porque não há dinheiro para fazer em Espanha o que se fez em Portugal, retirá-la completamente de mercado, colocando-a numa quarentena assistida. A verdade é que já há envelope para a banca espanhola, que pode vir a ser agravado, e quatro regiões espanholas já pediram ajuda ao Governo central, por incapacidade de acesso a financiamento e, portanto, de solvência a longo prazo.
Mas sim, a guerra continua. Continua porque a austeridade programada ontem mantém-se programada hoje. A boa notícia é que pode não agravar-se. Mas o BCE não dispensou Espanha da obrigação (e da humilhação) de pedir que lhe acudam e de, em contrapartida, ter de perseguir objectivos difíceis, implementar medidas de austeridade e responder a uma equipa como a da nossa querida troika.
Os riscos são grandes, por causa das mudanças políticas, porque o BCE não definiu (ou não anunciou) que níveis de taxas de juro considera aceitáveis, porque esta ajuda pode converter-se numa droga que crie habituação, como o presidente do banco central alemão preveniu. Mas a carta está na mesa. Os mercados vão ter um contrapeso chamado BCE, cujos bolsos não têm fundos - e que avança anunciando-se sem limites. E assim as taxas de juro desceram já abruptamente.
Para Portugal esta pode ter sido uma excelente notícia, pois o mesmo tipo de compras de dívida pública em mercado secundário pode facilitar o regresso aos mercados. E, portanto, fazer até com que tenhamos mais flexibilidade nas metas do défice deste ano e do próximo. E, assim, dispensar medidas de austeridade tão fortes como as que se temiam. Sendo assim, já só faltará fazer o difícil: conseguir crescimento económico e criação de emprego. É muito. Mas pode ser menos. Grazie Mario, por fazeres o que outros não fazem: a tua obrigação."
Pedro Santos Guerreiro
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