sábado, fevereiro 02, 2008

O “sistema”

"Nem sempre são as pessoas mais competentes que vencem mas antes aqueles que melhor conhecem o sistema prevalecente e nele mais integrados.

O “sistema” político-económico-social vigente inibe o desenvolvimento e a realização dos cidadãos, desaproveitando as suas capacidades actuais e potenciais, e prejudica o nosso progresso económico e social. É um sistema injusto pois dificulta a criação de um país de oportunidades para todos, mantendo uma grande parte da população com poucas opções, reservando-lhe um papel passivo de meros consumidores e de força de trabalho dependente e massificada. É um sistema ineficaz, pois não permite que os vários recursos e activos do país (humanos, físicos e de capital) sejam aplicados ao seu melhor uso, onde mais valor económico e social possam criar. Nem sempre são as pessoas mais capazes e competentes (e os projectos que acrescentam mais valor) que vencem mas antes aqueles que melhor conhecem o sistema prevalecente e nele melhor estão integrados. Todos somos responsáveis pela existência deste sistema. Porque nos conformamos com ele, ou porque resistimos às mudanças necessárias para que mude deixando-nos alienar por mitos e tabus do passado muitas vezes promovidos por quem com eles mais beneficia. O actual sistema apresenta 5 pilares fundamentais que estão, naturalmente, interligados e que terão que ser estruturalmente alterados.

1) O elevado peso e âmbito de actuação do Estado (central, regional e local) e a sua apropriação por grupos corporativos que se formam e consolidam para repartir o poder, os empregos e os recursos do Estado à revelia dos cidadãos. Inclui o envolvimento dos governos nas áreas empresariais, apostando em soluções empresariais que lhes são mais convenientes, facilitando uma indesejável promiscuidade político-económica, mantendo participações nas empresas, condicionando directamente a sua evolução e o recrutamento dos seus gestores. Leva à incapacidade do Estado para libertar adequadamente actividades para a sociedade civil inclusive no que diz respeito à prestação dos serviços públicos que deve garantir.

2) Uma fraca aposta do Estado na concorrência e em mercados abertos, transparentes e flexíveis, sem favorecimentos ou abusos de posições dominantes e devidamente regulados e fiscalizados, desde o mercado dos factores até ao da compra e venda de empresas, passando pelo dos bens e serviços não transaccionáveis. O próprio Estado na sua actividade interna e na relação que tem com a sociedade pouco fomenta e nem sempre pratica estes princípios.

3) A elevada dependência da Sociedade Civil, cidadãos e suas organizações, incluindo empresariais, do Estado. O seu fraco dinamismo, autonomia e capacidade de intervenção, nomeadamente para escrutinar os poderes e serviços públicos, auto responsabilizar-se ou promover forças complementares ao poder das instituições políticas constitucionais e dos partidos que se têm assumido praticamente como monopolistas no que à matéria da discussão e processo de decisão política diz respeito.

4) O desprestígio das funções políticas e da Administração Pública e a incapacidade de atrair para estas, a partir da sociedade civil e a todos os níveis, um maior número de bons valores. Para além de remunerações desajustadas e mal estruturadas, as instituições do Estado funcionam, de um modo geral, com leis orgânicas e de funcionamento que não permitem ou não motivam o exercício de uma gestão activa moderna e reformadora.

5) Um modelo social que mantém a esmagadora maioria da população como dependente ao não garantir uma educação de base de qualidade para todos, ao não estimular o seu desenvolvimento e autonomia, que não é eficaz na promoção da coesão social e no combate à pobreza e que não apresenta qualidade na prestação dos serviços públicos. Não se explicita devidamente quais os serviços públicos que se querem garantir, para quem e em que condições, qual é a rede de protecção social a que todos têm direito, quais os consequentes custos a prazo e a sua forma de financiamento. E falta ainda uma adequada responsabilização individual, a partir do momento em que estão criadas as condições para uma verdadeira inserção social.

O sistema actual não poderá ser alterado por uma revolução, por uma atitude e discurso demagógico anti-sistema ou de um dia para o outro. Mas sim com convicção e através de um gradualismo ritmado e sem tibiezas.

A evolução e os desafios de um mundo e de uma economia mais global e aberta estão já a pressionar para a concretização da mudança. A promoção de uma discussão pública sobre a necessidade de alterar este sistema será protagonizada inicialmente por aqueles cidadãos mais preocupados com a situação actual e incluirá novas ideias e propostas para o futuro.

Entre os primeiros a serem cativados para participarem na transição de sistema estarão aqueles que, estando bem integrados no sistema actual, reconhecem os seus aspectos negativos e a sua inviabilidade a prazo, demonstrando confiança nas suas capacidades e competências para também virem a ter sucesso num enquadramento de regras mais claras, previsíveis e transparentes.

Depois se começará a ganhar a opinião pública que deixará de se iludir com os mitos e tabus do passado, muitas vezes alimentados pelos mais comprometidos e dependentes do sistema tradicional.

Estes só mudarão quando não tiverem outra alternativa que não seja a de abraçarem o novo sistema. Então perceberão que, se quiserem alcançar os seus objectivos, terão que apostar num equilíbrio justo entre o interesse público e privado, conviver com o princípio da igualdade de oportunidades, valorizar a liberdade e independência dos cidadãos e demonstrar a sua real capacidade para criarem valor na nossa sociedade
."

António Carrapatoso

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Uma excelente crónica! Mas os problema é tão grave que são as próprias forças capazes de mudar o sistema (não, o sistema não somos todos nós) as principais beneficiárias do mesmo. Não, o sistema nunca irá mudar!

sábado, fevereiro 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

o alcance e o que está sublimemente indexado à mensagem do Sr. doutor Antonio Carrapatoso, é de facto profundo e vasto, e digo mesmo que tem muito que se lhe diga. o pior é que por vezes se apostam nas pessoas erradas, ou positivamente falando, menos capazes para essa função. é o dançar de cadeiras entre compadres e comadres. tipo os meus filhos são tão bons como os dos outros, e eu com o factor C posso colocá-los lá (é a mentalidade vigente, um pouco por toda a parte)...pelo que o sistema está viciado, e quem o proposer alterar tem de ser erradicado do sistema, porque não pertence aos "nossos". assim se modela o sistema, e assim anda não só o país como um pouco o mundo. e como tal não é possivel alterar nessa base esse mesmo "vicio de forma". pois mesmo que um individuo mostre e prove que pode ser util, se não for filho de "flano" ou "sicrano", não merece credito algum, pois foi só sorte de principiante...e boas ideias toda a gente tem. no entanto essas mesmo ideias de um Zé ninguem são aproveitadas, mas com a autoria dum sumo sacerdote da area em questão. porque dá mais credito e fica melhor. disse.

sábado, fevereiro 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Ora aí está uma verdade, não são as pessoas mais competentes que vencem, mas sim aquelas que conhecem melhor o sistema, são chamados os artitistas, ou melhor, os oportunistas que sacam todas as possibilidades dadas pelo sistema, por vezes usando maneiras pouco ortodoxas

sábado, fevereiro 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Tem de se acrescentar valor ao que se produz, o que implica transparencia, qualidade, durabilidade, fidelidade, assistência, garantia, utilidade, e inovação. depois há então o papel do marketing, que pode até ser agressivo, mas sempre fidedigno ao produto isto é sem mentiras pelo meio em relação ao bem produzido. pecar apenas pelo "esquecimento".- Omissão e a emoção. e criar sempre novos produtos cada vez melhores e mais baratos, usando as economias de escala, e com objectivo à exportação, se possivel em massa. a chave para um sistema melhor e de sucesso garantido, é a construção de uma rede de lideres, competentes, e incorruptos, com a chamada de etica e responsabilidade social presente, e de preocupações nas áreas ambiental e de saude pública. o objectivo é que se isso funcionar, se torne um exemplo a seguir, e como consequencia alargar a rede e exportá-la para outros países e continentes; fazendo cada vez mais e melhor. penso que esse tem sido a chave mestra de todos os casos de sucesso das grandes empresas nacionais e internacionais. fica aqui a mera opinião do Zé (ninguém).

sábado, fevereiro 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Sabe do que fala especialmente na empresa que dirige.
Gosto da frase: "nos que terão que apostar num equilíbrio justo entre o interesse público e privado, conviver com o princípio da igualdade de oportunidades, valorizar a liberdade e independência dos cidadãos e demosntrar a sua real capacidade para criarem valor na nossa sociedade"
O equilibrio justo, não sei o que é, sei o que pensa que deve ser, desde que o favoreça.
O princípioda igualdade de oportunidades é como a história do bom selvagem, ou de que todos nascem iguais e blá, blá ...
O Senhor Carrapataso é um mestre do semantismo e um crítico do estado, que para ele só deveria existir como entidade reguladora, muito pouco reguladora, numa sociedade desregulada a favor do sector privado.

sábado, fevereiro 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

A propósito lembro-me do Compromisso Portugal.
Lembro-me de um episódio de um eventual erro das finanças e dos funcionários ou do "Sistema".
Deve ser no que diz respeito a: "Confiança nas capacidades e competências e blá e regras claras, previsíveis e transparentes."
Escreva outro artigo.

sábado, fevereiro 02, 2008  

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