quarta-feira, outubro 01, 2008

Regulação: solução ou origem da crise financeira

"Com o apoio geral, a presente crise financeira deu origem a uma nova vaga de extenso intervencionismo público na economia. O apoio a esta intervenção tem sido, na verdade, muito amplo. Uns vêem-no com satisfação, saudando um pseudo "regresso" da regulação; outros acolhem-no com pesar, mas tomam-no como inevitável para evitar piores males.

Este coro segue-se a igual crença nas anteriores soluções de política económica para debelar a crise. Quem não acreditou na abordagem inicial, nas sucessivas reduções da taxa de juro? Falhada aquela, quem não confiou na vaga seguinte: a concessão de créditos extraordinários à banca? A nova e última abordagem é só mais uma tentativa: agora, as nacionalizações. Em todos os casos, trata-se de abordagens principalmente políticas, pouco suportadas na racionalidade económica em que os principais actores se contradizem várias vezes no espaço de poucos meses.

Haverá que afastar possíveis estados de alma e analisar brevemente a situação, considerando, primeiro, a origem da crise e, em seguida, as consequências prováveis da massiva intervenção a que assistimos.

A causa última da situação que vivemos está na política monetária do banco central americano, que, reduzindo drasticamente a taxa de juros de referência, desencadeou um conjunto de mecanismos de que o conhecido problema do crédito hipotecário é, por enquanto, ainda a principal manifestação, mas que se estenderá naturalmente, de forma brutal, a outros sectores. A taxa de juros real em níveis negativos gerou o aparecimento de monstruosos excessos de crédito, os quais – devido a outras políticas públicas movidas por interesses eleitorais – foram principalmente canalizados para o consumo, a habitação e arrastaram desequilíbrios na alocação do investimento.

Entre Janeiro de 2001 e Junho de 2004, a taxa de juro do banco central americano passou de 6% para 1%. Isto teve efeito não só no imobiliário; neste foi pior porque foi acompanhada por incentivos à compra de casa. É natural que outros sectores venham a conhecer problemas idênticos.

Se esta análise estiver correcta, como creio, ao actual plano americano para comprar 7.000 biliões de más hipotecas poderão seguir-se os equivalentes planos noutros sectores.

A corrente crise não é de natureza cíclica. O juros baixos, o excesso de crédito e as promessas de garantia e de salvação dos poderes públicos distorceram o processo de alocação do capital. Foi eliminada a prudência e a irracionalidade tornou-se sistémica, pelo que não se compreenderá que os problemas se confinem ao sector imobiliário.

Tem sentido referir a especial importância do sector imobiliário nesta crise, mas não se compreende que o fenómeno se confine a esta área.

O encadeamento dos acontecimentos no sector imobiliário é conhecido, devendo realçar-se o papel central desempenhado pelas garantias públicas, empréstimos subsidiados com o pano de fundo das taxas de juro artificiais.

Há um ano, metade das hipotecas residenciais eram ajudadas ou garantidas pelas Fannie Mae e Freddie Mac, duas empresas pertencentes ao estranho grupo das apoiadas patrocinadas pelo governo. No último ano, elas financiaram 80% das hipotecas. A primeira foi criada no contexto da grande depressão e a segunda em 1970. Os privados negociavam com ela, com a certeza, agora comprovada, de que – qual caixa Geral de Depósitos do sítio – o governo nunca as deixaria cair. Este negócio foi intervencionado em 1997, proibindo a discriminação dos desfavorecidos. O sistema é fortemente regulado, e foi esse facto que suscitou a situação no imobiliário. Que ironia e desconhecimento quando vemos as saudações ao regresso da regulação. Mais do que legítimas perspectivas ideológicas, o que está aqui em causa são questões de facto e de conhecimento dos mecanismos económicos.

Sem a intervenção do governo, apoiando os créditos imobiliários, sem uma taxa de juros negativa que levou à explosão dos créditos e ao disparar dos preços, sem a isenção estatal das regras das boas práticas bancárias de um sistema financeiro paralelo não teria sido possível mascarar durante algum tempo a irracionalidade da situação. A intervenção que agora se ensaia, depois das intervenções falhadas, vai prolongar mais algum tempo, não vai actuar sobre os fundamentais e só pode agravar a situação a prazo.

Não foi a imprudência dos privados. Estes actuaram face aos incentivos errados. Quis-se generalizar massivamente a propriedade àqueles que não tinham condições para a ela aceder, usaram-se empresas promovidas e apoiadas pelo governo, quando os agentes do mercado, por si só, não entrariam nas imprudências que acabaram por cometer, empurrados pelos poderes públicos.

O sistema está – com a socialização operada – agora totalmente infectado com o risco moral. Com a desastrada intervenção do governo, a restauração da confiança vai ser muito demorada e custosa
."

Avelino de Jesus

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