A propósito das previsões do FMI...
"As previsões do Fundo Monetário Internacional divulgadas esta semana vieram sustentar a ideia de que a economia mundial atravessa, neste momento, uma recessão sem paralelo nas últimas décadas. Expectativas de quedas do PIB em torno de 4% na Zona Euro, perto de 6% na Alemanha ou cerca de 8% na Irlanda (para além dos -4.1% previstos pelo Fundo para Portugal) eram, até há pouco tempo, muito difíceis de conceber.
De onde vêm estas previsões? Para começar, é natural que a economia real esteja, neste momento, a sofrer as "ondas de choque" da crise financeira, cujo ponto máximo foi atingido em Setembro e Outubro do ano passado. O travão no financiamento das empresas e famílias e o aumento da incerteza associado ao carácter excepcional da crise (bem como ao fluxo constante de notícias negativas…) traduziram-se, naturalmente, num forte recuo da procura a nível global, com reflexos especiais no comércio internacional e na actividade na indústria, que entraram em colapso nos últimos meses de 2008 e no início de 2009. Muito provavelmente, a queda do PIB nas principais economias foi ainda acentuada pela decisão de muitas empresas de deixar escoar os respectivos stocks (perante a expectativa de quebra futura da procura). A redução dos "stocks" corresponde a um desinvestimento das empresas, tendo por isso um impacto negativo directo no PIB (e, obviamente, sem um esforço de reposição dos "stocks", há menos encomendas e, logo, menos produção, menos vendas, menos exportações, etc.).
Ao longo dos últimos meses, o impacto da crise financeira sobre a actividade económica apareceu expresso na maioria dos indicadores de conjuntura que os economistas acompanham. Cada indicador divulgado alimenta uma série de notícias negativas na comunicação social, que por sua vez geram um efeito "bola de neve" no pessimismo das famílias e empresas. Este pessimismo traduz-se depois, muitas vezes, numa alteração das decisões de despesa destes agentes. Ou seja, uma parte importante da crise resulta de um pessimismo que se auto-alimenta e reproduz, "contaminando" registos futuros dos mesmos indicadores de conjuntura.
Muitos destes indicadores são incorporados pelos economistas nas suas previsões. Assim, a sua evolução contínua no sentido descendente ajuda a que as expectativas de crescimento do PIB sejam revistas sucessivamente em baixa, e com uma grande rapidez. Ao longo do último ano, assistimos a uma espécie de corrida ao campeão do pessimismo. E cada previsão mais negativa que é divulgada deteriora ainda mais o sentimento dos agentes económicos, contribuindo para uma nova contracção da procura (constituem, assim, verdadeiras "self-fulfilling prophecies"). Mas as previsões económicas costumam ter dificuldades em antecipar os momentos de viragem dos ciclos. Ou seja, é muito possível que, a certa altura, a extrapolação das tendências recentes e algum "comportamento de rebanho", tipicamente associados às previsões, não consigam apanhar logo os primeiros momentos de inversão (ou recuperação) da actividade económica. Neste sentido, todas estas previsões devem ser lidas com cuidado.
A recentes revisões em baixa reflectem, acima de tudo, a constatação de uma primeira metade do ano pior do que aquilo que tinha sido anteriormente antecipado, e não são inconsistentes com alguma estabilização, ou mesmo recuperação nalgumas economias, a partir da segunda metade de 2009 e em 2010. Alguns indicadores - desde os Estados Unidos à Europa, mas começando em economias como a China ou o Brasil - sugerem, de facto, que se terá já "batido no fundo". Note-se que esses indicadores apontam ainda para quedas significativas da actividade, mas com um ritmo de queda mais moderado, ou com uma estabilização em níveis baixos. Como alguém dizia recentemente, "os indicadores de actividade já não são catastróficos, são apenas terríveis". E isto pode fazer diferença, porque se parece reduzir, assim, a probabilidade de uma Depressão "à anos 1930", ficando-nos "apenas" por uma forte recessão, que é, apesar de tudo, um "terreno" mais familiar.
Dito isto, parece claro também que, quando aparecer, qualquer recuperação da actividade nos Estados Unidos, na Europa ou em Portugal nos levará para taxas de crescimento necessariamente reduzidas. À partida, uma recuperação significativa e sustentada deverá depender sempre de uma normalização dos canais e dos fluxos de crédito. Os Bancos Centrais têm vindo a "inundar" as economias de liquidez, mas esta não ganhou ainda "tracção" na economia; isto é, há mais moeda, mas a velocidade a que circula é ainda baixa. Porquê? Porque a propensão à despesa é ainda reduzida, porque a concessão de crédito se mantêm em desaceleração - em suma, porque subsiste uma elevada aversão ao risco nas economias. Por outro lado, a aceleração da actividade será também restringida pela necessidade futura de inverter a actual natureza fortemente expansionista das políticas monetária e orçamental (por exemplo, os Estados Unidos não poderão viver muito tempo com um défice público de 12% do PIB…!).
Neste contexto, e independentemente do "timing" exacto de uma recuperação, um dos maiores riscos - senão o maior - que as principais áreas económicas deverão enfrentar é o do aumento do desemprego ao longo de 2009 e 2010. Para além dos dramas individuais e familiares, taxas de desemprego em torno de 10%-11% da população activa nos Estados Unidos e na Zona Euro, ou próximas de 20% (!!) em Espanha, sugerem um importante aumento do risco de tensões sociais. Neste sentido, mais do que forçar novos estímulos à actividade económica, seria importante agilizar e fortalecer os mecanismos de apoio e inclusão social."
Carlos Almeida Andrade
De onde vêm estas previsões? Para começar, é natural que a economia real esteja, neste momento, a sofrer as "ondas de choque" da crise financeira, cujo ponto máximo foi atingido em Setembro e Outubro do ano passado. O travão no financiamento das empresas e famílias e o aumento da incerteza associado ao carácter excepcional da crise (bem como ao fluxo constante de notícias negativas…) traduziram-se, naturalmente, num forte recuo da procura a nível global, com reflexos especiais no comércio internacional e na actividade na indústria, que entraram em colapso nos últimos meses de 2008 e no início de 2009. Muito provavelmente, a queda do PIB nas principais economias foi ainda acentuada pela decisão de muitas empresas de deixar escoar os respectivos stocks (perante a expectativa de quebra futura da procura). A redução dos "stocks" corresponde a um desinvestimento das empresas, tendo por isso um impacto negativo directo no PIB (e, obviamente, sem um esforço de reposição dos "stocks", há menos encomendas e, logo, menos produção, menos vendas, menos exportações, etc.).
Ao longo dos últimos meses, o impacto da crise financeira sobre a actividade económica apareceu expresso na maioria dos indicadores de conjuntura que os economistas acompanham. Cada indicador divulgado alimenta uma série de notícias negativas na comunicação social, que por sua vez geram um efeito "bola de neve" no pessimismo das famílias e empresas. Este pessimismo traduz-se depois, muitas vezes, numa alteração das decisões de despesa destes agentes. Ou seja, uma parte importante da crise resulta de um pessimismo que se auto-alimenta e reproduz, "contaminando" registos futuros dos mesmos indicadores de conjuntura.
Muitos destes indicadores são incorporados pelos economistas nas suas previsões. Assim, a sua evolução contínua no sentido descendente ajuda a que as expectativas de crescimento do PIB sejam revistas sucessivamente em baixa, e com uma grande rapidez. Ao longo do último ano, assistimos a uma espécie de corrida ao campeão do pessimismo. E cada previsão mais negativa que é divulgada deteriora ainda mais o sentimento dos agentes económicos, contribuindo para uma nova contracção da procura (constituem, assim, verdadeiras "self-fulfilling prophecies"). Mas as previsões económicas costumam ter dificuldades em antecipar os momentos de viragem dos ciclos. Ou seja, é muito possível que, a certa altura, a extrapolação das tendências recentes e algum "comportamento de rebanho", tipicamente associados às previsões, não consigam apanhar logo os primeiros momentos de inversão (ou recuperação) da actividade económica. Neste sentido, todas estas previsões devem ser lidas com cuidado.
A recentes revisões em baixa reflectem, acima de tudo, a constatação de uma primeira metade do ano pior do que aquilo que tinha sido anteriormente antecipado, e não são inconsistentes com alguma estabilização, ou mesmo recuperação nalgumas economias, a partir da segunda metade de 2009 e em 2010. Alguns indicadores - desde os Estados Unidos à Europa, mas começando em economias como a China ou o Brasil - sugerem, de facto, que se terá já "batido no fundo". Note-se que esses indicadores apontam ainda para quedas significativas da actividade, mas com um ritmo de queda mais moderado, ou com uma estabilização em níveis baixos. Como alguém dizia recentemente, "os indicadores de actividade já não são catastróficos, são apenas terríveis". E isto pode fazer diferença, porque se parece reduzir, assim, a probabilidade de uma Depressão "à anos 1930", ficando-nos "apenas" por uma forte recessão, que é, apesar de tudo, um "terreno" mais familiar.
Dito isto, parece claro também que, quando aparecer, qualquer recuperação da actividade nos Estados Unidos, na Europa ou em Portugal nos levará para taxas de crescimento necessariamente reduzidas. À partida, uma recuperação significativa e sustentada deverá depender sempre de uma normalização dos canais e dos fluxos de crédito. Os Bancos Centrais têm vindo a "inundar" as economias de liquidez, mas esta não ganhou ainda "tracção" na economia; isto é, há mais moeda, mas a velocidade a que circula é ainda baixa. Porquê? Porque a propensão à despesa é ainda reduzida, porque a concessão de crédito se mantêm em desaceleração - em suma, porque subsiste uma elevada aversão ao risco nas economias. Por outro lado, a aceleração da actividade será também restringida pela necessidade futura de inverter a actual natureza fortemente expansionista das políticas monetária e orçamental (por exemplo, os Estados Unidos não poderão viver muito tempo com um défice público de 12% do PIB…!).
Neste contexto, e independentemente do "timing" exacto de uma recuperação, um dos maiores riscos - senão o maior - que as principais áreas económicas deverão enfrentar é o do aumento do desemprego ao longo de 2009 e 2010. Para além dos dramas individuais e familiares, taxas de desemprego em torno de 10%-11% da população activa nos Estados Unidos e na Zona Euro, ou próximas de 20% (!!) em Espanha, sugerem um importante aumento do risco de tensões sociais. Neste sentido, mais do que forçar novos estímulos à actividade económica, seria importante agilizar e fortalecer os mecanismos de apoio e inclusão social."
Carlos Almeida Andrade
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