sábado, fevereiro 13, 2010

A boa Justiça e a boa política

"A boa justiça e a boa política são feitas de verdade, de transparência e de seriedade intelectual. São, ainda, realizadas e concretizadas no respeito mútuo pelo princípio da separação de poderes. Confundir tudo isto não é bom, nem para a imagem e tranquilidade da Justiça, nem para a política. É atraiçoar o cidadão e os valores do Estado de Direito.

Claro que podemos ter as nossas preferências ideológicas, as nossas amizades, as nossas simpatias, mas o limite é a verdade, a honestidade, o direito, o império da boa justiça. É, por isso, que gosto muito de uma passagem que marca a vida do advogado e político grego, Péricles, que, ao ser abordado por um amigo que lhe pedia uma intervenção imoral num determinado processo jurídico assim lhe respondeu: "Amicus usque ad aras - amigos, mas, até à verdade."

A mistura destes valores gera medo e insegurança jurídica. Uma intervenção imoral, mal explicada e contra as regras legais das instâncias da Justiça, faz mais mal do que mil leis mal elaboradas. A Justiça, quando é chamada a pronunciar-se, não pode ter medo nem deixar-se instrumentalizar pelo poder político.

Ou temos, de facto, uma efectiva separação de poderes, que assegure, a partir das mais altas instâncias da Justiça, essa dimensão, ou mais vale acabar com a separação de poderes. Ponham os juízes a ser nomeados pelo poder político, a decidirem consoante as simpatias partidárias, a fazerem justiça forte, para os fracos e justiça fraca, para os poderosos. Acabe-se com a soberania dos tribunais, passando a fazer parte dos órgãos de governo ou deixem esta soberania, como presente, apenas para o Supremo Tribunal de Justiça, como parece começar a discutir-se em alguns países europeus.

O amigo do nosso Péricles, que lhe pedia uma intervenção imoral, ficaria satisfeito. Mas o coitado do Péricles morria asfixiado, com a morte da verdade.

Para vivermos, precisamos de ar puro respirável e de condições materiais suficientes. Mas para nos afirmarmos como Nação civilizada precisamos de que a Justiça respire sozinha e que não seja mascarada a sua verdade. Uma vez manchada a verdade neste segmento do Estado, sobretudo em processos emblemáticos, jamais a Justiça recupera, junto do cidadão, a sua imagem.

A verdade é a fonte de legitimação da Justiça. Se não houver verdade não existe isenção, imparcialidade e independência do poder judicial. Esta está para a Justiça como as eleições, para a legitimidade do poder político. E quem, na Justiça, ousar ter intervenções imorais e esconder, na gaveta, a verdade, para proteger os poderosos, nunca mais terá paz e serenidade.

A Justiça não pode ser boa para os amigos e dura para os inimigos
."

Rui Rangel

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