O eng. Sócrates e a pouca vergonha
"No sábado, ao almoço, um colunista do Público irritou-se comigo. Porquê? Se bem percebi, porque o "perigo" (sic) que o eng. Sócrates representa para o País não pode ser tratado em textos irónicos do tipo dos que, de acordo com o meu generoso colega, eu pratico. A hora, diz ele, exige franqueza, indignação, os pontos nos ii. Na altura, sorri e, em tom ligeiro, confessei-lhe falta de apetência para manifestos. Mas no domingo saiu a minha crónica no DN e compreendi, enfim, as armadilhas do duplo sentido.
Uma artigo em que, a propósito do episódio Mário Crespo, "defendi" com o sarcasmo possível o direito do eng. Sócrates a atacar jornalistas e quem lhe aprouver foi, a julgar pelos comentários no site do jornal e pelas citações em blogues, tomado à letra por diversos leitores. Num ápice, e por uma vez na vida, vi-me elogiado por gente que venera o primeiro-ministro e insultado pelos que o abominam. Não gostei. Embora seja indiferente aos elogios e sobretudo aos insultos, não sou indiferente aos motivos que os fundamentam: é chato vermo-nos avaliados a partir de um equívoco. De modo a desfazê-lo, venho por este meio exercer uma rectificação (e dar razão ao meu colega). Aqui vai ela, sem ironia, sem açúcar, sem afecto e, convenhamos, sem grande entusiasmo.
Não concebo que um governante interpele jornalistas em público, como Mário Crespo garante que o eng. Sócrates fez ao director da Sic. Não concebo que um governante interpele jornalistas em privado, como uma multidão de profissionais testemunha que o eng. Sócrates e seus subordinados fazem. Sei que a ingerência dos governos nos media não começou ontem e não terminará amanhã. Sei que este particular Governo elevou a ingerência a níveis inéditos, em parte por inclinação natural, em parte por necessidade: nunca, desde a democracia iniciada em 1975, tivemos um primeiro-ministro de currículo tão dúbio e competência tão nula. O currículo, oficialmente embelezado por uma licenciatura curiosa, é uma sucessão de "casos" cuja inconsequência fala pelo estado da Justiça. A competência está à vista no estado do País.
O mentiroso foguetório da propaganda, que disfarça muito, não disfarça tudo, donde a obsessão (um eufemismo) do eng. Sócrates & Cia. com a imprensa, de que a história da TVI seria pretexto bastante para que, num país menos folclórico, o Governo fosse sumariamente varrido e o seu chefe confrontado com os respectivos actos. Por azar, tocou-nos um presidente da República tolhido pelas próprias artimanhas, uma oposição presa a estratégias eleitorais e um eleitorado abúlico. Resta algum PS, o qual, segundo consta, começa a ponderar livrar-se da desagradável gente que ocupou o partido. Mesmo que improvável, a hipótese serviria. O PS dispõe de legitimidade para governar: esta gente não. Esta gente é inacreditável nos vários sentidos da palavra. Cada dia que resista no poder é um dia que o País perde e que a pouca-vergonha ganha.
E agora, se me permitem, vou descansar a indignação. Ainda acho que, se não for o melhor remédio, o riso é um paliativo."
Alberto Gonçalves
Uma artigo em que, a propósito do episódio Mário Crespo, "defendi" com o sarcasmo possível o direito do eng. Sócrates a atacar jornalistas e quem lhe aprouver foi, a julgar pelos comentários no site do jornal e pelas citações em blogues, tomado à letra por diversos leitores. Num ápice, e por uma vez na vida, vi-me elogiado por gente que venera o primeiro-ministro e insultado pelos que o abominam. Não gostei. Embora seja indiferente aos elogios e sobretudo aos insultos, não sou indiferente aos motivos que os fundamentam: é chato vermo-nos avaliados a partir de um equívoco. De modo a desfazê-lo, venho por este meio exercer uma rectificação (e dar razão ao meu colega). Aqui vai ela, sem ironia, sem açúcar, sem afecto e, convenhamos, sem grande entusiasmo.
Não concebo que um governante interpele jornalistas em público, como Mário Crespo garante que o eng. Sócrates fez ao director da Sic. Não concebo que um governante interpele jornalistas em privado, como uma multidão de profissionais testemunha que o eng. Sócrates e seus subordinados fazem. Sei que a ingerência dos governos nos media não começou ontem e não terminará amanhã. Sei que este particular Governo elevou a ingerência a níveis inéditos, em parte por inclinação natural, em parte por necessidade: nunca, desde a democracia iniciada em 1975, tivemos um primeiro-ministro de currículo tão dúbio e competência tão nula. O currículo, oficialmente embelezado por uma licenciatura curiosa, é uma sucessão de "casos" cuja inconsequência fala pelo estado da Justiça. A competência está à vista no estado do País.
O mentiroso foguetório da propaganda, que disfarça muito, não disfarça tudo, donde a obsessão (um eufemismo) do eng. Sócrates & Cia. com a imprensa, de que a história da TVI seria pretexto bastante para que, num país menos folclórico, o Governo fosse sumariamente varrido e o seu chefe confrontado com os respectivos actos. Por azar, tocou-nos um presidente da República tolhido pelas próprias artimanhas, uma oposição presa a estratégias eleitorais e um eleitorado abúlico. Resta algum PS, o qual, segundo consta, começa a ponderar livrar-se da desagradável gente que ocupou o partido. Mesmo que improvável, a hipótese serviria. O PS dispõe de legitimidade para governar: esta gente não. Esta gente é inacreditável nos vários sentidos da palavra. Cada dia que resista no poder é um dia que o País perde e que a pouca-vergonha ganha.
E agora, se me permitem, vou descansar a indignação. Ainda acho que, se não for o melhor remédio, o riso é um paliativo."
Alberto Gonçalves
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