segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Palavras sem rima

A insónia é uma companhia não a tentes vencer, levanta-te e espera que o sono e o sonho volte e dorme depois, nem que seja por mais uma horita.
Não! Não tenho problemas de má consciência, é porque sim...


A morte de Nós e do Eu

A humanidade tornou-se numa grande multidão de solitários.
Os bichos, os outros bichos, são mais felizes que os humanos, porque não sofrem da esperança,
porque a esperança é uma doença como a sarna,
coçamos e a coisa não passa,
diz-me quem sabe, mesmo depois de tratado a coisa continua.
Os bichos, os outros bichos, juntam-se, nem que seja com o pretexto de se catarem,
por cá inventaram-se remédios para os piolhos da alma.
Odeio todos os que armados em piedosos,
dizem o que os moribundos não querem ouvir, embora o peçam,
odeio-me quando me torno racional, em coisas que nada têm a ver com a razão.
São coisas assim como alguma arte.
São coisas como só sabe, quem sabe dar profundidade a um aguarela,
porque tudo é uma questão de mais ou menos água,
mais ou menos tinta,
mais ou menos luz,
mais ou menos esperança.
Porque os moribundos, esses, sabem que mais vale um pequeno aperto de mão,
um sorriso fraco e sem brilho,
porque a ocasião, é o momento,
como a aguarela fica mais perfeita sem desenho,
sem o toque do lápis,
porque a vida é uma efémera passagem,
é um até logo,
mesmo que o homem que temos na frente nem sempre nos tivesse sido simpático,
como desejaríamos,
como pensamos que deveria ser.
Afinal nesses momentos,
todos,
todos sabemos o que somos,
o que nos espera.
E, meu amor,
é sempre melhor dizer,
até logo,
ou até amanhã, se Deus quiser...

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

segunda-feira, fevereiro 15, 2010  
Anonymous Ramos said...

a boca escancarada da noite
os urros do silêncio
as teclas mudas

não tilintam os cristais
não estilhaçam a vidraça
os amantes não sussurram
não há sinos de igreja
o mundo acabou
o relógio dorme
o tempo não passa

onde estão os latidos
os galos os gritos
os olhos do sol?

na cama imensa
o corpo exausto
o vazio da tua ausência
e os mil anos dessa noite
que me engole
que me vomita


Líria Porto

segunda-feira, fevereiro 15, 2010  
Blogger Toupeira said...

As palavras sãominhas penas para que conste.
Aos amigos que resonderam com Fernando Pessoa e a Líria muito obrigado, é preciso descontrair com as palavras.

segunda-feira, fevereiro 15, 2010  

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