As rolhas
"A ‘lei da rolha’ foi aprovada no congresso laranja e, nos dias seguintes, o mundo desabou sobre o dr. Santana. ‘Estalinismo’, disseram as comadres, com típico rigor histórico.
Perdoo-lhes, porque elas não sabem o que fazem. E, com total honestidade, envio um abraço ao dr. Santana: a ideia de punir militantes em vésperas eleitorais pode ser uma violência para quem preza a opinião livre. Mas quem preza a opinião livre tem sempre um caminho altamente meritório: não entrar para um partido ou, em alternativa, sair dele. Porque o PSD, ou o PS, ou até o PCP têm toda a legitimidade para organizarem a casa como entendem, desde que não imponham aos outros as regras que aplicam aos seus.
Claro que, à margem desta discussão, existe outra: a oportunidade. Um partido que denuncia a ‘asfixia’ fora de portas não devia exibir em público as suas ‘asfixias’ privadas. Mas esta questão táctica não altera o paradoxo essencial: os paladinos da liberdade são precisamente os mesmos que condenam as escolhas livres de um partido a que não pertencem. Haverá maior exibição de intolerância?"
João Pereira Coutinho
Perdoo-lhes, porque elas não sabem o que fazem. E, com total honestidade, envio um abraço ao dr. Santana: a ideia de punir militantes em vésperas eleitorais pode ser uma violência para quem preza a opinião livre. Mas quem preza a opinião livre tem sempre um caminho altamente meritório: não entrar para um partido ou, em alternativa, sair dele. Porque o PSD, ou o PS, ou até o PCP têm toda a legitimidade para organizarem a casa como entendem, desde que não imponham aos outros as regras que aplicam aos seus.
Claro que, à margem desta discussão, existe outra: a oportunidade. Um partido que denuncia a ‘asfixia’ fora de portas não devia exibir em público as suas ‘asfixias’ privadas. Mas esta questão táctica não altera o paradoxo essencial: os paladinos da liberdade são precisamente os mesmos que condenam as escolhas livres de um partido a que não pertencem. Haverá maior exibição de intolerância?"
João Pereira Coutinho
2 Comments:
Certamente por defeito da minha condição de artista, mais do que os discursos pouco estimulantes, das peripécias avulsas e das trapalhadas habituais de Santana Lopes, aquilo que mais me chocou no recente Congresso do PSD foi a mediocridade da imagem. Num evento considerado pelos próprios como decisivo, ninguém se preocupou em introduzir um mínimo de inovação, visual ou tecnológica. A mais estreita banalidade imperou.
Vivemos numa sociedade da imagem. O sucesso ou fracasso de muita coisa, da mercadoria à política, depende em grande medida da comunicação visual. Sobretudo em política, e ainda mais em operações espetaculares como é o caso de um congresso, a imagem serve para assinalar uma linha de rumo. Os exemplos são esclarecedores. Naqueles que se apresentam como fatores de modernização a imagem é de inovação, com recurso a efeitos estéticos e aparato tecnológico. As campanhas do PS têm mostrado isso mesmo. Num partido como o PC é a presença das "massas" que se valoriza, enchendo-se a sala de gente obediente. No Bloco aposta-se no informal, como sinónimo de partido jovem. No PP predomina a sobriedade azulada do ambiente.
No Congresso Extraordinário do PSD para além da cor laranja e da mediocridade do cenário nada se destacou. O vazio dominou. E de extraordinário só existiu mesmo a incongruência de uma norma censória.
Mas em política imagem também é aquilo que se propõe. Nesse sentido, ainda ninguém percebeu se o PSD pretende continuar a modernização do país ou, pelo contrário, quer resistir a essa imprescindível modernização. As declarações carregadas dos verbos parar, revogar e adiar são demasiado frequentes para que alguém se sinta estimulado. Quanto ao resto, fica o ódio ao primeiro-ministro, certamente o nome que mais se ouve na boca de dirigentes e militantes. É manifestamente pouco.
Apesar do frenesim, está claro que o PSD continua a não estar preparado para ser governo. Nem tem ninguém com capacidade para ser primeiro-ministro. Os três candidatos não excitam ninguém, nem os próprios apoiantes.
O mundo mudou muito na última década. A velocidade das transformações, cuja origem é sobretudo tecnológica, tem obrigado a uma enorme capacidade de adaptação de todos. Nas pessoas isso é evidente com as novas aptidões; nas empresas muita coisa se alterou, desde a gestão à produção; nas organizações exige-se mais transparência e dinamismo. A política também mudou. Desde logo deu-se uma surpreendente inversão ideológica. A esquerda radical é agora conservadora; enquanto a direita mais conservadora tornou-se radical. No centro ficou o liberalismo.
A política mudou também como exercício. O papel dos media tem conduzido a uma sobrevalorização dos líderes, mesmo se as organizações tendem a funcionar mais em rede do que em hierarquia. Isso leva a uma excessiva concentração numa única pessoa do desempenho dos governos. As suas capacidades de presença, oratória, domínio dos assuntos, são fortemente expandidas. Hoje um líder político tem de ser um super-homem. Todos os seus gestos são escrutinados. A vida privada deixa de existir. Ao menor deslize, tal como nos gauleses de Asterix, cai-lhe o céu em cima. Não há, por isso, muita gente que aguente uma tal pressão.
Mas em política imagem também é aquilo que se propõe. Nesse sentido, ainda ninguém percebeu se o PSD pretende continuar a modernização do país ou, pelo contrário, quer resistir a essa imprescindível modernização. As declarações carregadas dos verbos parar, revogar e adiar são demasiado frequentes para que alguém se sinta estimulado. Quanto ao resto, fica o ódio ao primeiro-ministro, certamente o nome que mais se ouve na boca de dirigentes e militantes. É manifestamente pouco.
Apesar do frenesim, está claro que o PSD continua a não estar preparado para ser governo. Nem tem ninguém com capacidade para ser primeiro-ministro. Os três candidatos não excitam ninguém, nem os próprios apoiantes.
O mundo mudou muito na última década. A velocidade das transformações, cuja origem é sobretudo tecnológica, tem obrigado a uma enorme capacidade de adaptação de todos. Nas pessoas isso é evidente com as novas aptidões; nas empresas muita coisa se alterou, desde a gestão à produção; nas organizações exige-se mais transparência e dinamismo. A política também mudou. Desde logo deu-se uma surpreendente inversão ideológica. A esquerda radical é agora conservadora; enquanto a direita mais conservadora tornou-se radical. No centro ficou o liberalismo.
A política mudou também como exercício. O papel dos media tem conduzido a uma sobrevalorização dos líderes, mesmo se as organizações tendem a funcionar mais em rede do que em hierarquia. Isso leva a uma excessiva concentração numa única pessoa do desempenho dos governos. As suas capacidades de presença, oratória, domínio dos assuntos, são fortemente expandidas. Hoje um líder político tem de ser um super-homem. Todos os seus gestos são escrutinados. A vida privada deixa de existir. Ao menor deslize, tal como nos gauleses de Asterix, cai-lhe o céu em cima. Não há, por isso, muita gente que aguente uma tal pressão.
Mas a política mudou ainda mais com a disseminação dos agentes políticos. Nos anos 60 dizia-se que tudo era política, num daqueles exageros próprios de um momento questionador. Mas hoje, de facto, a política está em todo o lado e é feita por uma quantidade impressionante de gente. Magistrados, polícias, jornalistas, empresários, professores, enfermeiros, camionistas e, já agora, artistas, todos, fazem política cada um procurando determinar o rumo da sociedade. Mas isto que frequentemente assume contornos perturbadores, pode ser visto como uma vantagem. As velhas sociedades autoritárias e de fortes hierarquias, nunca foram, mas agora está provado que não são mesmo nada funcionais. A evolução social caminha na direção da interação e cooperação entre múltiplos agentes. E, para isso, é preciso uma postura política muito diferente daquela que emana das leis da rolha. Precisamos de mais liberdade e, com ela, uma muito maior disponibilidade para cooperar, em vez de se andar a perder tempo com conflitos estéreis.
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